quinta-feira, 7 de junho de 2018

O bombo e a caixa (Parte 2 - Final)

Encontro da cultura latino-americana e brasileira

A Caixa (Tambor Pequeno)


  Não é apenas um instrumento de percussão classificado pela família dos membrafones, som produzido pela vibração da membrana (pele). Ele é consagrado por uma força que perpassa diversas culturas e chega a perder-se no imemorial. Associados aos ritmos do corpo e da natureza, os tambores foram meio de comunicação entre os homens e entre estes e seus deuses. Através dos tempos foram ganhando diversas formas, tamanhos e timbres. Às vezes tocados com as mãos livres, outras com o auxílio de baquetas. Por todos os lados do planeta, múltiplos são os seus sons. Segundo o “Dicionário de Símbolos”, de Jean Chevalier, sua simbologia é de importância sagrada no mundo inteiro. Aqui, em nosso país, os tambores são tão distintos e divinos quanto os povos que formaram a nossa nação; temos aqueles de origem indígena, os de origem africana, os de origem portuguesa e, junto destes, suas influências egípcias, gregas, romanas, árabes... Assim chegou, popularizou-se e criou identidades distintas, ou seja, em cada canto do Brasil seu toque é variado conforme as influências.
  
"Praticamente, toda a família de tambores foi para a Europa Ocidental através de contato Árabe, ou foi popularizada por esse meio. Por exemplo, o pequeno tambor (naker, timbale) que era chamado le tambour de Perses. O naker (originalmente naqqara) ou o pequeno tambor é um instrumento timpânico com um corpo duplo hemisférico tocado com baquetas de madeira..." (SALMAN, 1997, [s.p.]).

Esse tipo de tambor também é conhecido como “tambor provençal” por ser de grande uso na região da Provença em música popular e danças, após a Idade Média difundiu-se pela Europa (FRUNGILLO, 2002). Em Portugal, é considerado um instrumento popular e tradicional tocado junto a uma flauta por uma mesma pessoa, conhecido pelo nome de “Tamboril”. É tocado principalmente em festas religiosas, peditórios, procissões, padroeiros, presépios de Natal em caráter cerimonial e até litúrgico, e também em funções profanas e lúdicas.
  

A Caixa de Folia


 Caixas de folia são tambores de duas peles usadas em congados, reisados e moçambiques. Também chamadas "caixas de guerra" ou "caixas do Divino", são parentes próximas das alfaias de maracatu.
As peles, ou "couros" são esticadas por um conjunto de aros de metal, madeira e cordas. Cada caixa pode apresentar afinadores laterais - aros de couro, que podem ser deslizados para cima (deixando o som mais agudo) e para baixo (deixando o som mais grave).


 Esse tambor chegou ao Brasil através dos imigrantes das Ilhas dos Açores de Portugal com os “foliões” da Festa do Divino e pelas bandas militares. No Maranhão é feminino, conhecido como Caixas do Divino por serem mulheres as responsáveis por conduzirem todo o ritual da Festa do Divino tocando e cantando com esse tambor, elas são chamadas de Caixeiras do Divino na sua maioria mais de 50 anos e negras. Para cada ritual da festa como: Alvorada, cortejo, visitas das tribunas, levantamento de mastro, refeições, fechamento de tribuna, derrubada de mastro entre outros tem seus cantos e toques específicos.



Em outras manifestações populares sagradas no Brasil como a Congada, Moçambique entre outros é conhecido como caixa e na Folia de Reis como caixa de folia. Apenas no Maranhão esse tambor pequeno é conhecido por Caixa do Divino. 


2 Texto extraído da Monografia do curso de Pós-graduação em Capacitação Docente em Música Popular Brasileira- Universidade Anhembi-Morumbi –SP de Maria Cristina Bueno “Caixeiras do Divino” do Maranhão e as “Caixeiras da Guia” de Campinas uma experiência com a tradição popular (2008).




Fonte:
www.attambur.com/recolhas/tocadores
http://caixeirasdasnascentes.blogspot.com/p/caixa-do-divino.html
https://www.onjoangoma.com/caixa-de-folia-

Fonte Imagem:
http://caixeirasdasnascentes.blogspot.com/p/caixa-do-divino.html
https://pluralesingulares.wordpress.com/tag/folia-de-reis/
http://universopopular.blogspot.com/2006/08/alfaias-e-caixas-do-divino-caixa-de.html

O bombo e a caixa (Parte 1)

Encontro da cultura latino-americana e brasileira


Bombo leguero

Bombo leguero é um instrumento de percussão do tipo membranofone, originário da Argentina. Seu nome, leguero, vem do fato de que este instrumento pode ser ouvido até duas léguas de distância (ou aproximadamente 5 quilômetros).

É produzido a partir de um tronco de árvore oco (geralmente corticeira), revestido com pele curtida de animais, como cabras, vacas ou ovelhas. Derivado do velho tambor militar europeu, possui um arranjo de anéis de couro nas extremidades para a fixação da pele esticada.

Faz parte da música folclórica da Argentina (zamba, chacarera, etc.) e foi popularizado por músicos como Los Fronterizos, Carlos Rivero, Soledad Pastorutti e Mercedes Sosa.

Com a proximidade cultural de Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul, o bombo leguero foi adotado pela música nativa gaúcha e até os dias de hoje segue sendo um instrumento tradicional do estado.

Entre os músicos brasileiros que mais se destacam no uso do instrumento estão: Ernesto Fagundes e Kiko Freitas.




Documentário "Origens"

“Origens” é um curta com música, viagem e tradição. Ernesto Fagundes percorre o pampa e resgata uma história que começou na década de 1950 com seu tio Antônio Augusto “Nico” Fagundes. Nico esteve na Argentina e de lá trouxe dois bombos legueros ao Rio Grande do Sul.

- Os primeiros grandes tocadores de bombo leguero entre nós foram Glênio Fagundes e Bebeto Klotz. Lá por 1978 – diz Nico Fagundes – eu passava pelo Alegrete, e um sobrinho meu, guri ainda, se apaixonou pelo bombo que eu havia trazido. Ganhou o instrumento de presente e se tornou um virtuoso.

Ernesto Fagundes, desde os 10 anos, é íntimo do bombo leguero. Começou no Alegrete, apresentando-se em CTGs. Ainda adolescente estava em Porto Alegre, acompanhando pai, irmãos, primos e tios na divulgação da cultura gaúcha. Percorreu o Rio Grande do Sul, visitou boa parte dos CTGs brasileiros e também a América Latina, Caribe e Europa.
– Tocar bombo leguero – diz Ernesto – é a função do andarilho, anunciando quem chega e desbravando novos caminhos.


          
“Origens” foi rodado na Argentina, em Buenos Aires e Santiago del Estero, norte argentino; e depois no Brasil, em Porto Alegre (RS), com a participação dos integrantes da família Fagundes. No curta, eles relembram como surgiu a música “Origens”, tema de abertura do programa Galpão Crioulo/RBS TV. 



Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bombo_leguero
http://wp.clicrbs.com.br/rbstvbage/2011/12/01/na-estreia-de-curtas-gauchos-%E2%80%93-exibicao-especial-ernesto-fagundes-e-o-bombo-leguero/?topo=77,,&status=encerrado

Fonte Imagem:
https://www.youtube.com/watch?v=jo6E56_eBbE
http://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2016/09/cadernos/panorama/522738-viagem-musical.html
http://wp.clicrbs.com.br/rbstvbage/2011/12/01/na-estreia-de-curtas-gauchos-%E2%80%93-exibicao-especial-ernesto-fagundes-e-o-bombo-leguero/?topo=77,,&status=encerrado

Entre mates e guitarras - Nativismo e Tradicionalismo na cultura gaúcha



Quem quiser demonstrar a cultura gaúcha visualmente vai ter um retângulo cujas pontas ostentam cores diferentes com um dégradé em direção ao centro. No ponto mais equidistante das extremidades vai existir um matiz difícil de identificar a que lado pertence. Assim é a cultura do Rio Grande do Sul, composta por dois movimentos distintos, mas iguais. Há o tradicionalista que não compreende ou não gosta do nativismo e o nativista que não entende ou não aprecia os rituais do tradicionalismo. Porém há aqueles que, como no matiz central do quadro imaginário proposto, ora são interpretados como tradicionalistas, ora como nativistas. Transitam nos dois campos culturais com a mesma notoriedade e legitimidade. Luiz Carlos Barbosa Lessa, recentemente falecido, considerado o maior teórico do tradicionalismo, registra em seu livro Nativismo, que a cada trinta anos surge um novo "ismo". Menciona o gauchismo de Cezimbra Jacques em 1889, regionalismo por volta de 1920, o tradicionalismo em 1947 e o nativismo a partir da década de 70. Complementa o folclorista: em 2000 deve se cuidar para não haver o "barulhismo". Seu temor tem uma certa ponta de razão, mas ele não prevê o possível momento do centrismo na cultura gaúcha. 

Definir o tradicionalismo e o nativismo parece ser tarefa simples quando se lê as palavras num dicionário, contudo decifrar os movimentos representados por estes dois "ismos" é mais complexo. Saber quem são e o que pensam as pessoas que formam estes dois grupos que se complementam e às vezes se confundem requer uma análise mais profunda do que uma simples frase, muitas vezes preconceituosa. Entender o que pensam os membros destes dois grupos de indumentárias distintas e outras vezes tão semelhantes, é complexo. Decifrar estas duas tribos com guerreiros aquartelados nos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) ou nos ginásios de esporte que viram cenários para os festivais, não é fácil. Conhecer as lideranças dos que ostentam cargos adquiridos através de eleições e dos que conquistam posições por meio de suas prestigiosas manifestações artísticas, é fundamental. É necessário recorrer à sociologia e à antropologia para tentar desvendar o mistério de uma divisão quase oculta e ao mesmo tempo tão declarada. 

O tradicionalismo gaúcho é um movimento organizado com uma estrutura hierárquica rígida e um mapeamento do Estado. É quase como um governo paralelo especificamente para o gerenciamento da tradição, mas não exclusivamente. Há uma questão humana intrínseca. Possui um presidente na capital, trinta coordenadores nas chamadas Regiões Tradicionalistas (RTs) e os patrões nos Centros de Tradições Gaúchas. Há cidades que possuem ainda uma associação das entidades, cujo presidente tem sua posição hierárquica estabelecida entre o patrão e o coordenador. Como primeiras-damas culturais existem as primeiras prendas em três modalidades e três níveis. As modalidades são mirim, juvenil e adulta e os níveis são as prendas das entidades, das regiões e do Estado. Um cargo surgido mais recentemente é o de Peão Farroupilha, nos mesmos níveis das prendas e nas modalidades de piá e adulto. Todos são uma espécie de relações públicas do tradicionalismo e conquistam seus cargos num verdadeiro vestibular cultural. Ao contrário do nativismo, há uma rigidez quase militar no tradicionalismo no que tange a indumentária. Chega em alguns casos no limite de que a imagem vale mais do que o conteúdo. 

O nativismo gaúcho não é uma entidade e sim um movimento cultural cuja união está na identificação pessoal e na semelhança de produção artística de seus membros. Os líderes são os artistas e os organizadores de festivais, mas não há uma hierarquia estabelecida entre eles. Ambos possuem associações independentes na expectativa de uma organização maior, porém não se pode comparar com as diretorias e patronagens do tradicionalismo. Os guerreiros desta tribo são os admiradores da música nativa, da poesia gaúcha e da pajada rio-grandense. Seguem seus ídolos, mas não lhes dão exclusividade. Aplaudem e consomem o produto cultural dos que mais se identificam. Vão aos festivais com o mesmo entusiasmo com que frequentam os CTGs. Há migrantes entre os grupos, contudo pode-se afirmar independente de qualquer pesquisa de que o tradicionalismo municia o nativismo com maior contingente de pessoas do que o contrário.

Se há diferença organizacional entre eles, há semelhança sentimental. Ambos sustentam seus discursos ideológicos no amor à Terra. Tradicionalismo e nativismo cantam as belezas da querência, envergam indumentária típica, demonstram, cada um à sua moda, amor pelo Rio Grande do Sul e são sustentados pelo concurso. Embora nesta demonstração de apego ao pago, o tradicionalismo dance mais do que cante e o nativismo quase que exclusivamente cante, este ano o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) cria um festival de música que abrange todas as RTs, o que significa uma mobilização estadual. 

Pela visão antropológica, ambos os segmentos são agregadores da família e do grupo local. Possuem a linguagem dos signos herdada de ancestrais. Falam do seu mundo com a dimensão de seu conhecimento. São responsáveis pelo crescimento da auto-estima do povo rio-grandense e grandes propulsores da economia estadual. Enquanto o tradicionalismo estuda o folclore e a tradição, o nativismo está mais voltado para a manifestação folclórica. O primeiro define o corpus de sua atuação dentro do que estabelece como tradicional e folclórico e o segundo busca universalizar estes dados com enfoque poético-musical mais abrangente e inovador. 

As pontas de cores distintas do quadro imaginário que define a cultura gaúcha se debatem nesta questão. Os mais entusiastas do tradicionalismo julgam que o nativismo está deturpando a cultura gaúcha e os vanguardistas do nativismo acusam os tradicionalistas de serem responsáveis pelo saudosismo cultural. Já os que são representados pelo matiz dégradé, visualizam o somatório do poder cultural que os dois movimentos proporcionam para o engrandecimento espiritual dos habitantes do Estado. Juntos, eles mobilizam mais de um milhão de pessoas. Isto só no Rio Grande do Sul, haja vista que a cultura gaúcha está presente em todos os estados brasileiros e fora do território nacional com grande representatividade. 

Barbosa Lessa, ao fundamentar o tradicionalismo afirma que "... as duas unidades sociais mais importantes como transmissoras de cultura são a família e o grupo local". Nos grandes centros populacionais urbanos os CTGs são os locais da fuga do individualismo das metrópoles. As pessoas buscam reencontrar o sentimento de grupo local, com os mesmos objetivos e atividades. 

A cultura gaúcha como um todo é provedora deste encontro familiar. A freqüência nos CTGs, rodeios e festivais normalmente é de três gerações. Estando os grupos de diferentes idades voltados ao mesmo objetivo, a herança cultural é legada com maior facilidade entre eles e o fortalecimento do regionalismo é mais pulsante. Encontrada no seio da cultura gaúcha, a família rio-grandense posiciona-se na defesa de seus mais íntimos anseios. Os pais acompanham o crescimento etário e cultural de seus filhos e os apóiam nos momentos de dificuldade como amigos da mesma entidade social, sem deixarem de ser exemplos e ídolos. Tanto que o rodeio crioulo, uma das atividades recreativas do tradicionalismo, institui o concurso de laço "pai e filho", incentivando a integração familiar. Da mesma forma acontece no nativismo quando um jovem sobe ao palco para defender sua música num determinado festival, toda a família oferece apoio à sua atuação. 

A sociabilidade familiar, um dos maiores problemas da comunidade mundial na atualidade, tem na cultura gaúcha um ponto de apoio importante. Seus exemplos estão presentes desde os CTGs dos mais remotos rincões até os da capital gaúcha. 

As lideranças de ambos os movimentos também mobilizam as famílias na questão organizacional. É comum encontrar casais participativos nos CTGs ou na organização de festivais de música ou poesia. Quando no grande grupo, em congressos do Movimento Tradicionalista Gaúcho ou nas reuniões da Associação das Comissões Organizadoras de Festivais de Música do Rio Grande do Sul, é uma grande família. Barbosa Lessa faz uma afirmação sociológica para o evento: "qualquer sociedade poderá evitar a dissolução enquanto for capaz de manter a integridade de seu núcleo cultural." Nestes encontros há o congraçamento de pessoas de todas as facções partidárias, todas as classes sociais, credos e cores. A cultura é o objetivo comum para o qual todos convergem suas dedicações. 

Embora isso aconteça na comunidade local, os comandos políticos, distantes do fato cultural, teorizam equivocadamente sobre a cultura gaúcha. Os da extrema direita e da extrema esquerda julgam que a estrutura das estâncias na cultura gaúcha, patrões e peões, seja ideologicamente a favor da primeira e contra a segunda. Ambos estão enganados, por que ela está acima disso. É uma característica atribuída ao meio de vida do rio-grandense. "O gaúcho é socialmente um produto do Pampa, como politicamente é um produto da guerra", afirma o pensador fluminense Oliveira Vianna em seu livro Populações Meridionais do Brasil. 

Nos festivais há uma comemoração da arte criada em relação aos temas, mais do que uma vinculação política que ela possa expressar, e normalmente as letras de música estão recheadas de defesa das questões humanas. O antropólogo rio-grandense Ruben Gorge Oliven registra em seu livro A Parte e o Todo - A Diversidade Cultural do Brasil-Nação-, algo comprobatório deste amor à arte acima de tudo. "... o que me chama atenção é o fato de o público aplaudir indistintamente músicas a favor ou contra a figura tradicional do gaúcho." E complementa: "Mas o público parece vibrar com todas; acho que, na realidade, as pessoas vibram com a celebração da identidade gaúcha."




Fonte:
http://www.mtg.org.br/public/libs/kcfinder/upload/files/EDITORIAIS/Tradicionalismo%20ou%20Nativismo.pdf