Ele destaca que as celebrações têm
valor cultural, econômico e histórico, além de carregarem em si as marcas da
formação social brasileira. “É algo que mexe na nossa vida, uma festividade
extraordinária em todos os sentidos, econômico, cultural e histórico. O povo
ainda é o principal elemento da nossa festa junina.”
A primeira festa junina aconteceu
no Brasil no fim do século 16, trazida ao território pelos portugueses. Mas,
chegando aqui, a manifestação cultural foi incorporando elementos da cultura
indígena e africana, que se manifestam na culinária, na música e até na
vestimenta.
Dessa síntese, para Passos, surgiu
uma expressão cultural com características únicas.
“A quadrilha junina veio da
França, mas, quando chega aqui, se adapta e, ao invés de ‘anarriê’, criam-se
outros comandos adaptados à realidade brasileira, como “olha a cobra, olha a
chuva”. Essa mistura é de uma riqueza extraordinária e é um produto turístico
que movimenta a economia”, analisa.
Na conversa, Passos também fala
sobre o seu lançamento mais recente, o livro O Processo de Independência
do Brasil no Recôncavo Baiano, disponível pela editora da Universidade Federal
da Bahia (UFBA).
Confira a entrevista completa:
A principal origem das festas
juninas vem da Europa. Trazida para o Brasil pela colonização portuguesa, a
manifestação cultural incorporou elementos da cultura indígena e africana,
tornando-se única. Como podemos perceber essas características incorporadas,
por exemplo, na culinária?
Eu passei recentemente um São João
em Porto, em Portugal. Eles dizem que o melhor São Antônio é o de Lisboa e o
melhor São João é o do Porto. As características são bastante diferentes.
O mês de junho tem três grandes
santos: Santo Antônio, São João e São Pedro. São João talvez seja o de maior
sucesso aqui no Brasil. Então, em território brasileiro, a festa se adaptou à
realidade do país.
O São João é muito mais comemorado
na região do Nordeste do que nas demais regiões do Brasil. Não é que as outras
regiões não festejem. A mídia tenta vender Campina Grande (PB) e Caruaru (PE)
como as maiores festas. Tenta criar uma disputa. E aí, me perguntam: qual é o
maior São João do Brasil? A Bahia, por exemplo, foi por outra via e o São João
é do estado. São mais de 300 municípios festejando.
No governo Vargas, quando Domingos
Leonelli foi secretário de turismo, teve uma ideia genial de vender o São João
da Bahia. E, mesmo ali, há distinções. O São João de Cruz das Almas tem uma
característica, Bonfim tem outra, Cachoeira tem outra, e assim por diante. Cada
município tem uma determinada característica.
Agora, o padrão, por exemplo,
quando você chega na região do sertão, do semiárido, é ser o quentão a bebida
típica. Enquanto na região mais litorânea, é o licor, especialmente os licores
de jenipapo e de maracujá.
Cachoeira se distinguiu como o
maior fabricante de licor do Brasil. As pessoas vão inclusive para revender
para tudo quanto é lugar e criaram uma variedade de sabores enorme, além dos
tradicionais, como café, tamarindo, caju, cajá, coco, etc.
Existem também os elementos super
tradicionais. A gente tem, por exemplo, o milho e o amendoim, que são produtos
tipicamente juninos. O milho é um vegetal nativo das Américas. O México
comemora todos os anos o Festival do Milho e tem uma variedade grande. No Peru
também.
Nas nossas comemorações, o milho é
cozido ou assado. A gente faz canjica, pamonha, mingau, etc. Ou seja, deriva em
produtos mais tradicionais. A canjica e a pamonha são fundamentais no São
João.
O amendoim é cozido e comido
acompanhando o licor. O amendoim cozido, e não assado, é uma característica
muito específica também da região Nordeste. São esses produtos que ajudam a
celebrar essas festividades.
Também tem o queijo, que a
gente chama de queijo do reino, aquele queijo tipo cuia, que vem da Península
Ibérica.
Você citou exemplos que permitem
perceber a fusão das culturas portuguesa, indígena e afro-brasileira nas festas
juninas. Em que mais podemos perceber as características dessas três culturas
básicas de formação do Brasil?
O forró, por exemplo, veio da
Europa também, mas se adaptou, especialmente no Nordeste. Uma contribuição
imensa da cultura afro é o samba junino. Em Salvador, na Bahia, a maioria dos
bairros comemora com samba junino. É um gênero musical típico dessa época.
Agora, sobre o forró, a gente
também está falando do povo originário. O “arrastapé” é uma característica
indígena. Eles arrastam os pés nas danças deles. O cultivo da mandioca, que
produz o bolo de aipim, por exemplo, é uma herança também indígena, assim como
o milho.
Tem um livro do Darcy
Ribeiro, O Povo Brasileiro, onde ele teoriza sobre o Brasil e ele fala da
mandioca, que seria um tubérculo venenoso. Ou seja, tem todo um processo
químico necessário para você tornar ele comestível. São mais ou menos cinco
páginas do livro descrevendo esse processo.
A quadrilha junina veio da França
com um pouco da Holanda, mas, quando chega aqui, se adapta e, ao invés de
“anarriê”, criam-se outros comandos adaptados à realidade brasileira, como
“olha a cobra, olha a chuva”.
Essa mistura é de uma riqueza
extraordinária e é um produto turístico que movimenta a economia. O Carnaval da
Bahia, por exemplo, é uma das maiores festas públicas do planeta, que envolve
muita gente, mas o São João reúne mais gente e gera mais riqueza, porque
acontece em todos os lugares, as pessoas se deslocam mais, também se vendem
mais produtos. A economia realmente aquece.
Quando pensamos na culinária das
festas juninas, há também uma relação com o período de colheita, em especial na Europa. Ainda é forte essa
conexão entre a festa junina e o momento de fartura, mudança e virada?
Não há dúvida nenhuma. As pessoas
se preparam para alguns festejos que são marcantes no calendário cultural e
turístico, como o Carnaval e o São João. São dois festejos que mobilizam as
pessoas e as famílias.
Por exemplo, quando chega o São
João, as cidades tradicionais que festejam não têm rede hoteleira tão grande,
mas ela é logo ocupada. Então, o que fazem? As pessoas criam uma rede extra,
começam a alugar quartos, casas, etc.
Isso gera uma economia extra
fundamental que permite à pessoa sobreviver melhor o restante do ano. Então, é
uma festa que marca as vidas das pessoas. Eu me lembro de quando era
criança e como aguardava o São João. É algo que mexe na nossa vida, uma
festividade extraordinária em todos os sentidos, econômico, cultural e
histórico.
Faz parte da história. Por
exemplo, no São João no Porto, a comida típica é a sardinha assada. Quando
chega essa época, se falta a sardinha, as pessoas especulam e o preço sobe. O
céu fica carregado de balões. É uma coisa muito bonita.
Outra coisa característica do
Porto são aqueles martelinhos de plástico. A pessoa fica batendo um na cabeça
do outro. Antigamente, era com o alho poró. Então, é uma forma também de
sociabilidade. É um aglomerado de pessoas. Lembra muito a festa de ano novo em
Copacabana. Quando chega meia noite há a queima de fogos.
No Brasil, é uma festa tipicamente
caipira. É a festa do tabaréu, do camponês, rural. As pessoas usam calça jeans,
pregam uns retalhinhos, decoram a vestimenta, que, geralmente, é quadriculada.
Há toda uma indumentária típica do período dos festejos.
O primeiro registro de uma festa
junina no Brasil data do fim do século 16, cerca de 80 anos depois da invasão
europeia. Entre 1585 e 1590, o jesuíta português Fernão Cardim afirmou que,
aqui, a celebração seria “tomada” pelos indígenas. Ele dizia que o São João era
a festa que as comunidades mais gostavam. Atualmente, em alguns lugares,
a festa tem se elitizado. Mas, na sua avaliação, ainda existe o componente
popular?
O povo ainda é o principal
elemento da nossa festa junina. Eu sou oriundo do Recôncavo Baiano, onde, na
véspera da festa junina, as famílias se organizam, fazem canjica, cozinham
amendoim, fazem bolo de aipim, etc, e ficam aguardando as pessoas, os amigos.
Quando chegam, perguntam “São João passou por aí?”. Quando escutam a resposta
“passou”, entram, bebem licor, comem, saem e vão para outra casa. As pessoas
ficam circulando. Eu fiz muito isso na minha adolescência, ficar de casa em
casa. E isso ainda existe.
Mas há também cidades que
organizam grandes festas, contratam cantores caríssimos e armam barracas ao
redor que vendem cerveja. O típico deixa de ser protagonista. É uma atividade
muito comercial. Os hotéis enchem, as pessoas alugam casa e a economia circula,
mas perde o lado popular.
Mas as prefeituras que não
organizam o São João com esse modelo mantêm a tradição. Eu vejo, por exemplo, a
cidade de Maragogipe, onde as pessoas organizam blocos, compram camisa da mesma
cor, saem cantando e tocando as músicas juninas e entrando de casa em
casa.
A fogueira também é um elemento
super tradicional nesse período. A fogueira foi uma promessa de Maria com
Isabel, que é a mãe de São João Batista. Ela prometeu a Maria que, quando João
nascesse, ela acenderia uma fogueira no alto. E isso foi feito.
O Estado de Portugal surgiu mais
ou menos no século 12. Mas, já no século 11, encontraram registro da
comemoração do São João lá. Eles trouxeram esses santos para cá e se
popularizaram aqui. Junho é um mês cheio de festividades.
Fonte Imagem: https://www.brasildefato.com.br/podcast/bem-viver/2025/06/24/sao-joao-historiador-destaca-a-importancia-das-festas-juninas-na-cultura-brasileira/
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