A RAPADURA
Foram os indianos os primeiros a cozinhar o caldo que saía quando os caules da cana eram expremidos. O resultado era uma calda grossa e amarronzada que endurecia depois de fria, formando torrões muito doces. A este açúcar minimamente processado, “em bruto”, eles deram o nome de gurh e nós, muito tempo depois, de rapadura.Estima-se que isso tenha começado a ocorrer por volta de 500 a.C.
Muito tempo depois, no século 16, quando espanhóis e portugueses cobriram de canaviais suas possessões no oceano Atlântico, as Ilhas Canárias e os Açores respectivamente, a produção de rapadura, na forma de pequenos tijolos, surgiu como solução para o transporte de açúcar em pequenas quantidades para uso individual. Como o açúcar granulado umedecia e melava facilmente, os tijolos de rapadura eram facilmente acomodados em sacolas de viajantes, resistindo durante meses a mudanças atmosféricas. De lá, a rapadura espalhou-se pelas Américas espanhola e portuguesa durante a expansão açucareira no novo continente.
É típica do Nordeste do Brasil e de diversas outras regiões da América Latina , onde recebe diferentes nomes como: panela (Colômbia, Venezuela, México, Equador e Guatemala), piloncillo(México), papelón (Venezuela e Colômbia), chancaca (Bolívia e Peru), empanizao (Bolívia) ou tapa de dulce (Costa Rica). O nome rapadura (ou a variação raspadura) é utilizado também na Argentina, na Guatemala e no Panamá. Seu uso também é disseminado na Índia.
Na América Latina, a Colômbia é o primeiro produtor, com 1 milhão de toneladas anual e o segundo mundial depois da Índia . A Região Nordeste é a maior produtora de rapadura do Brasil, onde o Ceará aparece como maior produtor .
A RAPADURA E O BRASIL
Uma das sobremesas prediletas nas mesas nordestinas, a rapadura é um doce obtido pelo aquecimento e desidratação em caldeiras do caldo da cana-de-açúcar. Um processo artesanal e secular que teve início nos engenhos de açúcar. Comercializada em barras, de formatos e pesos diversos, a guloseima possui versões sofisticadas, temperada com especiarias (cravo, gengibre e erva-doce) e frutas.
O sabor peculiar, dulcíssimo, e o baixo preço transformaram a rapadura em um dos itens mais populares na dieta sertaneja, predileção dividida com a farinha de mandioca. A vinculação do alimento às camadas de baixo poder aquisitivo - no passado era predominantemente consumida por escravos - e à aparência rústica dos tabletes são responsáveis por um rótulo ainda hoje recorrente: “comida de pobre”. Desde os tempos coloniais, por exemplo, nas classes mais abastadas, a rapadura era preterida em benefício das compotas, da doçaria portuguesa.
Além de desprestigiar o valor energético e o potencial nutritivo do alimento, ratificado pelos especialistas, o esnobismo despreza uma tradição cultural aprovada por milhões de consumidores e com fortes reflexos na economia nordestina. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Região responde por 60,7% da produção nacional, o que equivale a 41,3 mil toneladas anuais (o Ceará lidera o ranking regional, concentrando 47,3% desta “safra”).
A rapadura originou-se da raspagem das camadas (crostas) de açúcar que ficavam presas às paredes dos tachos utilizados para fabricação de açúcar. O mel resultante era aquecido e colocado em formas semelhante às de tijolos.
No Brasil, os engenhos de rapadura existem desde o século 17, ou talvez antes. Há registro da fabricação de rapadura, em 1633, na região do Cariri, Ceará.
Os engenhos de rapadura eram pequenos e rudimentares. Possuíam apenas a moenda, a fábrica, onde ficavam as fornalhas, e as plantações de cana que, normalmente, dividiam o espaço com outros tipos de cultura de subsistência.
Os grandes engenhos também fabricavam rapadura, mas não para fins comerciais. O produto era utilizado apenas para consumo dos habitantes locais.
A cana usada para fabricar a rapadura no Brasil, até o século 19, era a crioula. Surgiu depois a caiana, mais resistente a pragas, aparecendo, posteriormente, diversas variedades, como a cana rosa, fita, bambu, carangola, cabocla, preta, entre outras.
No início, as moendas eram de madeira, movidas a água (onde havia abundância do líquido) ou tração animal (cavalos e bois). No século 19, surgiram as moendas de ferro, usando-se ainda o mesmo tipo de tração. Depois os engenhos evoluíram passando a ser movidos a vapor, óleo diesel e finalmente a eletricidade.
Por ter um mercado reduzido, em comparação com o do açúcar, a produção tinha um caráter regional, não sendo necessária a sofisticação exigida para fabricar o açúcar que era exportado. Até hoje produz-se rapadura no Brasil com métodos e técnicas rudimentares. Não houve a introdução de inovações no processo produtivo nem diversificação de produtos. A grande maioria dos engenhos continua produzindo rapadura em tabletes de 400g a 500g que são comercializados nas regiões próximas das áreas produtoras.
No Nordeste do Brasil, os engenhos de rapadura em atividade são, na sua maioria, unidades antigas, com vários anos de existência. Sua produção é sazonal, feita em geral nos meses de julho a dezembro, ou seja, no período de estiagem no Agreste e Sertão. Os Estados do Ceará, Pernambuco e Paraíba são os maiores produtores, existindo também produção significativa nos Estados do Piauí, Alagoas e Bahia.
No Ceará, destacam-se as regiões do Cariri e da Serra do Ibiapaba. Em Pernambuco, os engenhos de rapadura de concentram no Sertão, sendo os municípios de Triunfo e Santa Cruz da Baixa Verde os maiores produtores. Na Paraíba, os dois grandes pólos são a região do Brejo e o Sertão.
Segundo Câmara Cascudo, a rapadura foi o doce das crianças pobres, dos homens simples, regalo para escravos, cangaceiros, vaqueiros e soldados.
A rapadura está presente na mesa do sertanejo. É o adoçante do café, do leite, da coalhada. É consumida com farinha, mungunzá, carne de sol, paçoca, cuscuz, milho cozido. Não há casa sertaneja sem farinha e rapadura.
Os curandeiros também a usavam como adoçante do leite de cabra para os "fracos-do-peito", bebido de manhã cedo; misturado com mastruz esmagado e azeite quente, para curar úlceras e frieiras, além de considerá-la fortificante.
O consumo da rapadura manteve-se no Nordeste, mesmo tendo que enfrentar a concorrência do açúcar e de outros adoçantes, principalmente nas regiões semi-áridas, porém é um mercado hoje em declínio. Nas cidades de grande porte da região a rapadura é comercializada, principalmente, nas feiras livres e em menor escala em grandes cadeias de supermercados. São Paulo tornou-se também um consumidor que merece destaque, devido aos migrantes nordestinos.
Manutenção de costumes históricos
A rapadura vem sendo introduzida, ultimamente, na merenda escolar de vários municípios, e nas cestas básicas distribuídas às famílias pobres pelo Governo.
O consumo da rapadura no Brasil é de 1kg por habitante/ano. O maior consumidor mundial é a Colômbia, com a marca de 25kg por habitante/ano, além de ser também primeiro país produtor de rapadura na América e o segundo do mundo depois da Índia.
A CIDADE DE AREIA E O MUSEU DA RAPADURA
A rapadura esteve presente na região Nordeste desde os primórdios da colonização. Tal como o conhecemos hoje, o doce teve sua origem na produção de açúcar mascavo, que chegou ao Brasil com os portugueses no século 16.
Patrimônio Histórico Nacional, Areia, uma pequena cidade no interior da Paraíba, a 125 quilômetros de João Pessoa, na região serrana do Estado, preserva em seus engenhos a fabricação tradicional da rapadura - iguaria que se tornou um símbolo da cultura brasileira: Eles são os remanescentes de um período que se estendeu do século 19. até a década de 1960, quando o lugar contava com quase 100 engenhos, responsáveis por transformar a cana-de-açúcar na principal fonte de riqueza da região. A opulência daqueles dias proporcionou à cidade um legado arquitetônico bastante rico, notado no colorido centro histórico.
Na intenção de manter viva a fabricação tradicional e o seu significado popular, a Universidade Federal da Paraíba criou, em Areia, na Fazenda da Várzea, o Museu da Rapadura - o único do país. O acervo, disposto na antiga casa-grande, reconstrói o clima dos tempos dos engenhos e conta com algumas relíquias da época áurea da cana.
O Museu preserva uma casa-grande típica da região do brejo, ou seja, simples e despojada, raramente apresentando senzala e capela. Sua construção, portanto, data do século dezenove e início do vinte. No seu acervo, estão utensílios da época, como móveis rústicos um relógio de parede de 226 anos funcionando perfeitamente, uma moenda que era puxada por bois, uma pedra de moer milho, um gargalho de ferro que servia para prender os escravos pelo pescoço, um palmatória de ferro e um acervo de 280 garrafas de cachaça, etc.
Ritual Secular
O caldo da cana era cozido e depositado num recipiente chamado pão-de-açúcar: um cone de madeira cujo formato iria nomear o morro carioca, o mais famoso cartão-postal brasileiro. Antes do século 19, momento em que a produção se intensifica, os primeiros produtores de cana no Nordeste brasileiro moíam a planta em engenhos de almanjarra, nome que caracteriza as moendas puxadas por bois. Muitas vezes, no entanto, eram os escravos que faziam o serviço.
No decorrer do processo, depois que o caldo era cristalizado, uma massa com diversas tonalidades era concebida. Na camada inferior, por onde o restante do líquido escorria, acumulava-se uma parte escura. Em cima, a massa tinha um tom alvo. Os senhores-de-engenho faziam questão de ficar com a porção clara do açúcar, considerada mais nobre. Aos escravos, por sua vez, restava o trecho pardacento do doce, ironicamente, o mais rico em nutrientes.
No pão-de-açúcar, o utensílio português, a massa escura permanecia em depuração durante seis dias, período no qual o caldo vertia por meio de um único orifício, até que restasse somente o açúcar cristalizado. Em seguida, os escravos quebravam o bloco para fazer o mascavo. Foi só no século 17 que a rapadura ganhou o formato de tabletes e há quem diga que essa forma de produção teve início justamente em Areia.
Na Segunda Guerra Mundial, ela garantiu energia aos soldados aliados
De qualquer maneira, mais tarde, passaram a ser utilizados mecanismos movidos a rodas-d'água e, finalmente, no século 19, chegaram as primeiras máquinas inglesas a vapor. Só por volta de 1930, quando a Inglaterra enviou motores a diesel para o Brasil, a rapadura começou a ser produzida em larga escala. Um único engenho passaria, então, de uma média de 200 tabletes (de 500 gramas) por dia para 2 mil unidades. Foi nessa época que a rapadura de Areia serviu de alimento para as Forças Aliadas na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, orgulha-se a população local.
PROCESSO DE FABRICAÇÃO DA RAPAURA
Após o corte da cana-de-açúcar, que deve ser feito sem a queima da cana, este é transportada até o engenho onde deverá ser moída. O caldo de cana resultante da moagem é levado para a decantação, com o intuito de separar as impurezas - nessa etapa o risco a fermentação do caldo pode prejudicar a aparência do produto.
A concentração até se atingir o ponto para o batimento se dá por meio da fervura do caldo, o que pode acontecer em um mesmo tacho ou em até cinco tachos como nos engenhos mais modernos, o que ajuda a ter um controle da temperatura para a concentração do caldo. Depois que o caldo se torna melado ele é batido para obter uma maior consistência e ser colocado em formas no formato tradicional de paralelepípedo. Depois que a rapadura já endureceu, esfriou e ganhou a sua forma, pode ser retirada das formas. Após o batimento, o caldo concentrado é moldado em formas de 500 gramas ou um quilo ou tabletes de 20 a 25 gramas. Após o resfriamento, ocorre a desenformagem e, por fim, o embalamento da rapadura.
CAMINHO DOS ENGENHOS
A presença de antigos engenhos no interior da Paraíba levou à criação de um roteiro turístico chamado Caminho dos Engenhos. No trajeto, além de Areia, é possível conhecer outras cidades que tiveram sua história forjada na cultura da cana, como, por exemplo, Alagoa Grande, Mamanguape, Bananeiras e Serraria. Assim como aconteceu com os engenhos de Areia - que eram quase 100 e hoje não passam de 30 -, esses lugares não contam mais com os profusos recursos advindos das colheitas do canavial.
OUTROS IDIOMAS
Francês - Rapadura
Italiano - Zucchero
Espanhol - Panela, Piloncillo, Rapadura
Inglês - Panela, Jaggery
Alemão - Panela, Rapadura, Vollrohrzucker
Híndi - Gurh
GOSTO DE BRASIL
Quando como um pedaço de rapadura
me vejo rindo
É felicidade...
Ah... pequeno pedaço da idade do Brasil
Gosto antigo da energia dos engenhos
Cor mestiça da terra e de minha gente
Rapadurinha, pois somos de casa...
Quando como uma rapadura...
É meu amigo, estou comendo a história do Brasil, saiba disso...
Gosto de sol da tarde
Cor mestiça da terra e de minha gente
Rapadurinha, pois somos de casa...
Quando como uma rapadura...
É meu amigo, estou comendo a história do Brasil, saiba disso...
Gosto de sol da tarde
Gosto daqui
Tá na tigela na mesa,
na mão, na cumbuca
na mão, na cumbuca
e na boca do povo
RAPADURA
por Frederico do Valle
Feira de rua em Salgueiro, sertão de Pernambuco, 2005.
Fonte:
http://correiogourmand.com.br/info_03_dicionarios_gastronomicos_alimentos_acucares_e_derivados_acucar_06_rapadura.htm
Fonte das Figuras:
http://emporiopeoficial.blogspot.com.br/2016/05/a-sociologia-do-doce-segundo-gilberto.html?m=1
http://emporiopeoficial.blogspot.com.br/2016/05/a-sociologia-do-doce-segundo-gilberto.html?m=1
http://www.blogdaraquelcosta.com.br/rapadura-fonte-de-energia-para-treinos-intensos/
http://tianguacultural.blogspot.com.br/2015/11/manutencao-de-costumes-historicos.html
http://tianguacultural.blogspot.com.br/2015/11/manutencao-de-costumes-historicos.html
http://www.embarquenesteblog.com.br/2015/10/areia-joia-cultural-historica-paraiba.html
https://villasdeareia.wordpress.com/2011/08/09/venha-conhecer-o-museu-da-rapadura/
http://modadecomidachefcrisleite.blogspot.com.br/2010/06/rapadura.html
http://www.conhecaminas.com/2016/03/a-historia-da-rapadura.html
http://www.mundotri.com.br/2017/06/rapadura-uma-suplementacao-barata-e-nutritiva/
http://www.fredjordao.com.br/content/rapadura/