sexta-feira, 17 de julho de 2020

Rapadura, doce da idade do Brasil



A RAPADURA

Foram os indianos os primeiros a cozinhar o caldo que saía quando os caules da cana eram expremidos. O resultado era uma calda grossa e amarronzada que endurecia depois de fria, formando torrões muito doces. A este açúcar minimamente processado, “em bruto”, eles deram o nome de gurh e nós, muito tempo depois, de rapadura.Estima-se que isso tenha começado a ocorrer por volta de 500 a.C.

Muito tempo depois, no século 16, quando espanhóis e portugueses cobriram de canaviais suas possessões no oceano Atlântico, as Ilhas Canárias e os Açores respectivamente, a produção de rapadura, na forma de pequenos tijolos, surgiu como solução para o transporte de açúcar em pequenas quantidades para uso individual. Como o açúcar granulado umedecia e melava facilmente, os tijolos de rapadura eram facilmente acomodados em sacolas de viajantes, resistindo durante meses a mudanças atmosféricas. De lá, a rapadura espalhou-se pelas Américas espanhola e portuguesa durante a expansão açucareira no novo continente.

É típica do Nordeste do Brasil e de diversas outras regiões da América Latina , onde recebe diferentes nomes como: panela (Colômbia, Venezuela, México, Equador e Guatemala), piloncillo(México), papelón (Venezuela e Colômbia), chancaca (Bolívia e Peru), empanizao (Bolívia) ou tapa de dulce (Costa Rica). O nome rapadura (ou a variação raspadura) é utilizado também na Argentina, na Guatemala e no Panamá. Seu uso também é disseminado na Índia.

Na América Latina, a Colômbia é o primeiro produtor, com 1 milhão de toneladas anual e o segundo mundial depois da Índia . A Região Nordeste é a maior produtora de rapadura do Brasil, onde o Ceará aparece como maior produtor .


 A RAPADURA E O BRASIL

Uma das sobremesas prediletas nas mesas nordestinas, a rapadura é um doce obtido pelo aquecimento e desidratação em caldeiras do caldo da cana-de-açúcar. Um processo artesanal e secular que teve início nos engenhos de açúcar. Comercializada em barras, de formatos e pesos diversos, a guloseima possui versões sofisticadas, temperada com especiarias (cravo, gengibre e erva-doce) e frutas.




O sabor peculiar, dulcíssimo, e o baixo preço transformaram a rapadura em um dos itens mais populares na dieta sertaneja, predileção dividida com a farinha de mandioca. A vinculação do alimento às camadas de baixo poder aquisitivo - no passado era predominantemente consumida por escravos - e à aparência rústica dos tabletes são responsáveis por um rótulo ainda hoje recorrente: “comida de pobre”. Desde os tempos coloniais, por exemplo, nas classes mais abastadas, a rapadura era preterida em benefício das compotas, da doçaria portuguesa.

Além de desprestigiar o valor energético e o potencial nutritivo do alimento, ratificado pelos especialistas, o esnobismo despreza uma tradição cultural aprovada por milhões de consumidores e com fortes reflexos na economia nordestina. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Região responde por 60,7% da produção nacional, o que equivale a 41,3 mil toneladas anuais (o Ceará lidera o ranking regional, concentrando 47,3% desta “safra”).

A rapadura originou-se da raspagem das camadas (crostas) de açúcar que ficavam presas às paredes dos tachos utilizados para fabricação de açúcar. O mel resultante era aquecido e colocado em formas semelhante às de tijolos.

No Brasil, os engenhos de rapadura existem desde o século 17, ou talvez antes. Há registro da fabricação de rapadura, em 1633, na região do Cariri, Ceará.

Os engenhos de rapadura eram pequenos e rudimentares. Possuíam apenas a moenda, a fábrica, onde ficavam as fornalhas, e as plantações de cana que, normalmente, dividiam o espaço com outros tipos de cultura de subsistência.

Os grandes engenhos também fabricavam rapadura, mas não para fins comerciais. O produto era utilizado apenas para consumo dos habitantes locais.

A cana usada para fabricar a rapadura no Brasil, até o século 19, era a crioula. Surgiu depois a caiana, mais resistente a pragas, aparecendo, posteriormente, diversas variedades, como a cana rosa, fita, bambu, carangola, cabocla, preta, entre outras.

No início, as moendas eram de madeira, movidas a água (onde havia abundância do líquido) ou tração animal (cavalos e bois). No século 19, surgiram as moendas de ferro, usando-se ainda o mesmo tipo de tração. Depois os engenhos evoluíram passando a ser movidos a vapor, óleo diesel e finalmente a eletricidade.

Por ter um mercado reduzido, em comparação com o do açúcar, a produção tinha um caráter regional, não sendo necessária a sofisticação exigida para fabricar o açúcar que era exportado. Até hoje produz-se rapadura no Brasil com métodos e técnicas rudimentares. Não houve a introdução de inovações no processo produtivo nem diversificação de produtos. A grande maioria dos engenhos continua produzindo rapadura em tabletes de 400g a 500g que são comercializados nas regiões próximas das áreas produtoras.

No Nordeste do Brasil, os engenhos de rapadura em atividade são, na sua maioria, unidades antigas, com vários anos de existência. Sua produção é sazonal, feita em geral nos meses de julho a dezembro, ou seja, no período de estiagem no Agreste e Sertão. Os Estados do Ceará, Pernambuco e Paraíba são os maiores produtores, existindo também produção significativa nos Estados do Piauí, Alagoas e Bahia.

No Ceará, destacam-se as regiões do Cariri e da Serra do Ibiapaba. Em Pernambuco, os engenhos de rapadura de concentram no Sertão, sendo os municípios de Triunfo e Santa Cruz da Baixa Verde os maiores produtores. Na Paraíba, os dois grandes pólos são a região do Brejo e o Sertão.

Segundo Câmara Cascudo, a rapadura foi o doce das crianças pobres, dos homens simples, regalo para escravos, cangaceiros, vaqueiros e soldados.

A rapadura está presente na mesa do sertanejo. É o adoçante do café, do leite, da coalhada. É consumida com farinha, mungunzá, carne de sol, paçoca, cuscuz, milho cozido. Não há casa sertaneja sem farinha e rapadura.

Os curandeiros também a usavam como adoçante do leite de cabra para os "fracos-do-peito", bebido de manhã cedo; misturado com mastruz esmagado e azeite quente, para curar úlceras e frieiras, além de considerá-la fortificante.

O consumo da rapadura manteve-se no Nordeste, mesmo tendo que enfrentar a concorrência do açúcar e de outros adoçantes, principalmente nas regiões semi-áridas, porém é um mercado hoje em declínio. Nas cidades de grande porte da região a rapadura é comercializada, principalmente, nas feiras livres e em menor escala em grandes cadeias de supermercados. São Paulo tornou-se também um consumidor que merece destaque, devido aos migrantes nordestinos.


Manutenção de costumes históricos

A rapadura vem sendo introduzida, ultimamente, na merenda escolar de vários municípios, e nas cestas básicas distribuídas às famílias pobres pelo Governo.


O consumo da rapadura no Brasil é de 1kg por habitante/ano. O maior consumidor mundial é a Colômbia, com a marca de 25kg por habitante/ano, além de ser também primeiro país produtor de rapadura na América e o segundo do mundo depois da Índia.


A CIDADE DE AREIA E O MUSEU DA RAPADURA


A rapadura esteve presente na região Nordeste desde os primórdios da colonização. Tal como o conhecemos hoje, o doce teve sua origem na produção de açúcar mascavo, que chegou ao Brasil com os portugueses no século 16.

Patrimônio Histórico Nacional, Areia, uma pequena cidade no interior da Paraíba, a 125 quilômetros de João Pessoa, na região serrana do Estado, preserva em seus engenhos a fabricação  tradicional da rapadura - iguaria que se tornou um símbolo da cultura brasileira: Eles são os remanescentes de um período que se estendeu do século 19. até a década de 1960, quando o lugar contava com quase 100 engenhos, responsáveis por transformar a cana-de-açúcar na principal fonte de riqueza da região.  A opulência daqueles dias proporcionou à cidade um legado arquitetônico bastante rico, notado no colorido centro histórico.

Na intenção de manter viva a fabricação tradicional e o seu significado popular, a Universidade Federal da Paraíba criou, em Areia, na Fazenda da Várzea, o Museu da Rapadura - o único do país. O acervo, disposto na antiga casa-grande, reconstrói o clima dos tempos dos engenhos e conta com algumas relíquias da época áurea da cana.


 O Museu preserva uma casa-grande típica da região do brejo, ou seja, simples e despojada, raramente apresentando senzala e capela. Sua construção, portanto, data do século dezenove e início do vinte. No seu acervo, estão utensílios da época, como móveis rústicos um relógio de parede de 226 anos funcionando perfeitamente, uma moenda que era puxada por bois, uma pedra de moer milho, um gargalho de ferro que servia para prender os escravos pelo pescoço, um palmatória de ferro e um acervo de 280 garrafas de cachaça, etc.

Ritual Secular

O caldo da cana era cozido e depositado num recipiente chamado pão-de-açúcar: um cone de madeira cujo formato iria nomear o morro carioca, o mais famoso cartão-postal brasileiro. Antes do século 19, momento em que a produção se intensifica, os primeiros produtores de cana no Nordeste brasileiro moíam a planta em engenhos de almanjarra, nome que caracteriza as moendas puxadas por bois. Muitas vezes, no entanto, eram os escravos que faziam o serviço.

No decorrer do processo, depois que o caldo era cristalizado, uma massa com diversas tonalidades era concebida. Na camada inferior, por onde o restante do líquido escorria, acumulava-se uma parte escura. Em cima, a massa tinha um tom alvo. Os senhores-de-engenho faziam questão de ficar com a porção clara do açúcar, considerada mais nobre. Aos escravos, por sua vez, restava o trecho pardacento do doce, ironicamente, o mais rico em nutrientes.

No pão-de-açúcar, o utensílio português, a massa escura permanecia em depuração durante seis dias, período no qual o caldo vertia por meio de um único orifício, até que restasse somente o açúcar cristalizado. Em seguida, os escravos quebravam o bloco para fazer o mascavo. Foi só no século 17 que a rapadura ganhou o formato de tabletes e há quem diga que essa forma de produção teve início justamente em Areia.

Na Segunda Guerra Mundial, ela garantiu energia aos soldados aliados

De qualquer maneira, mais tarde, passaram a ser utilizados mecanismos movidos a rodas-d'água e, finalmente, no século 19, chegaram as primeiras máquinas inglesas a vapor. Só por volta de 1930, quando a Inglaterra enviou motores a diesel para o Brasil, a rapadura começou a ser produzida em larga escala. Um único engenho passaria, então, de uma média de 200 tabletes (de 500 gramas) por dia para 2 mil unidades. Foi nessa época que a rapadura de Areia serviu de alimento para as Forças Aliadas na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, orgulha-se a população local.


PROCESSO DE FABRICAÇÃO DA RAPAURA

Após o corte da cana-de-açúcar, que deve ser feito sem a queima da cana, este é transportada até o engenho onde deverá ser moída. O caldo de cana resultante da moagem é levado para a decantação, com o intuito de separar as impurezas - nessa etapa o risco a fermentação do caldo pode prejudicar a aparência do produto. 


A concentração até se atingir o ponto para o batimento se dá por meio da fervura do caldo, o que pode acontecer em um mesmo tacho ou em até cinco tachos como nos engenhos mais modernos, o que ajuda a ter um controle da temperatura para a concentração do caldo. Depois que o caldo se torna melado ele é batido para obter uma maior consistência e ser colocado em formas no formato tradicional de paralelepípedo. Depois que a rapadura já endureceu, esfriou e ganhou a sua forma, pode ser retirada das formas. Após o batimento, o caldo concentrado é moldado em formas de 500 gramas ou um quilo ou tabletes de 20 a 25 gramas. Após o resfriamento, ocorre a desenformagem e, por fim, o embalamento da rapadura.



CAMINHO DOS ENGENHOS


A presença de antigos engenhos no interior da Paraíba levou à criação de um roteiro turístico chamado Caminho dos Engenhos. No trajeto, além de Areia, é possível conhecer outras cidades que tiveram sua história forjada na cultura da cana, como, por exemplo, Alagoa Grande, Mamanguape, Bananeiras e Serraria. Assim como aconteceu com os engenhos de Areia - que eram quase 100 e hoje não passam de 30 -, esses lugares não contam mais com os profusos recursos advindos das colheitas do canavial. 


OUTROS IDIOMAS

Francês - Rapadura
Italiano - Zucchero
Espanhol - Panela, Piloncillo, Rapadura 
Inglês - Panela, Jaggery
Alemão - Panela, Rapadura, Vollrohrzucker 
Híndi - Gurh


GOSTO DE BRASIL



Quando como um pedaço de rapadura
me vejo rindo
É felicidade...
Ah... pequeno pedaço da idade do Brasil
Gosto antigo da energia dos engenhos
Cor mestiça da terra e de minha gente
Rapadurinha, pois somos de casa...
Quando como uma rapadura...
É meu amigo, estou comendo a história do Brasil, saiba disso...
Gosto de sol da tarde
Gosto daqui
Tá na tigela na mesa,
na mão, na cumbuca
e na boca do povo


RAPADURA
por Frederico do Valle


Feira de rua em Salgueiro, sertão de Pernambuco, 2005.



Fonte:
http://correiogourmand.com.br/info_03_dicionarios_gastronomicos_alimentos_acucares_e_derivados_acucar_06_rapadura.htm
Fonte das Figuras:
http://emporiopeoficial.blogspot.com.br/2016/05/a-sociologia-do-doce-segundo-gilberto.html?m=1
http://www.blogdaraquelcosta.com.br/rapadura-fonte-de-energia-para-treinos-intensos/
http://tianguacultural.blogspot.com.br/2015/11/manutencao-de-costumes-historicos.html
http://www.embarquenesteblog.com.br/2015/10/areia-joia-cultural-historica-paraiba.html
https://villasdeareia.wordpress.com/2011/08/09/venha-conhecer-o-museu-da-rapadura/
http://modadecomidachefcrisleite.blogspot.com.br/2010/06/rapadura.html
http://www.conhecaminas.com/2016/03/a-historia-da-rapadura.html
http://www.mundotri.com.br/2017/06/rapadura-uma-suplementacao-barata-e-nutritiva/
http://www.fredjordao.com.br/content/rapadura/ 


Os papeis culturais e afetivos da comida

Pouco notamos. Porém, muito mais que consumo, aquilo que nos alimenta também conduz emoções, aprendizado social, evocação de memórias e pertencimentos




Por Juliana Dias, editora do site Malagueta

Os hábitos alimentares, afirma o antropólogo norte-americano Sidney Mintz, são veículos de profunda emoção. Para o autor, a comida e o comer são centrais no aprendizado social por serem atividades vitais e essenciais, embora rotineiras. As atitudes em relação à comida são aprendidas cedo e bem. Na visão de Mintz, esse comportamento alimentar é nutrido por adultos afetivamente “poderosos”, que conferem um poder sentimental duradouro. Assim, ele explica que o lugar onde crescemos e as pessoas com quem convivemos vão aos poucos construindo um material cultural. Esse material dá forma ao nosso comportamento alimentar que “se liga diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade social” (2001, p 31). A maneira como nos alimentamos revela constantemente a cultura em que estamos inseridos.

Ao longo dos anos os hábitos alimentares podem mudar completamente. E essa mudança desvela as facetas do comer, pois para Mintz esse comportamento pode, simultaneamente, ser o mais flexível possível e o mais arraigado de todos os costumes. “Há uma estranha congruência entre conservadorismo e mudança que nos acompanha no estudo da comida”, explica o autor, que se dedicou a estudar a função social da alimentação, a partir de espécies únicas como açúcar e soja. Apesar das evidentes mudanças no gosto e nas preferências de cada pessoa, a memória e o peso do primeiro aprendizado alimentar, e algumas das formas sociais aprendidas, talvez permaneçam para sempre em nossa consciência, como sugere o antropólogo. Para comprovar sua tese, ele cita a madeleine de Proust como o caso mais famoso.

O francês Marcel Proust atribuiu ao olfato e paladar o poder de convocar o passado. O escritor do clássico Em busca do tempo perdidodedicou à madeleine, bolinho de limão em forma de concha, e ao chá, o resgate de sua memória de infância. Essa experiência marca sua vida de maneira indelével, pois ele retoma com vigor o seu exercício da escrita. Antes desse encontro gustativo, sua carreira estava fadada ao fracasso. Ele vivia recluso e doente num quarto em Paris, mas a comida lhe restaurou as forças. A descrição sobre esse momento testemunha o quanto a memória está ligada ao que comemos: “Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferentes às vicissitudes da vida (…)” (1983, p. 31).

Na recém-lançada obra póstuma O Cozinheiro do Rei (Ed. Madras), de Zé Rodrix, encontramos a força da experiência proustiana num menino índio, de aproximadamente 5 anos, chamado Pedro Karaí. Se Proust revive com madeleines na França, Karaí renasceu com mingau de tapioca com farinha de peixe na tribo dos Mongoyós, à beira do Rio de Contas, no sertão da Bahia.

Em uma brincadeira rotineira de pular no rio, o menino bateu com a cabeça numa rocha. Ficou desacordado, perdeu os sentidos e vivenciou a morte de perto. Ele também estava num momento crítico, entre a vida e a morte, tal qual Proust, quando alguma coisa que ele não via, “exalava um cheiro delicioso que penetrava as narinas e lhe enchia a boca de água”. O olfato e o paladar convocaram o breve passado do menino, como intuiu Proust, ao ser tocado pela madeleine com o chá. No caso brasileiro, a visão foi incluída nessa experiência multissensorial. A comida vai além de saciar o estômago.

A receita que mudou o olhar de Karaí foi preparada por sua mãe, um desses adultos “poderosos”, citados por Mintz, que marcou o filho com um poder sentimental duradouro. Remete também à comida como medicamento, o cuidado e o amor expressos numa refeição preparada especialmente para alguém. Na descrição, identifico também elementos do conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), ao falar sobre o acesso a alimentos de qualidade, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde (MALUF, 2007, p. 17).

A descrição de Rodrix, músico e compositor, é rica, poética e emocionante como a de Proust, só que com a comida brasileira, o que remete implacavelmente a nossa identidade social, confirmando a tese de antropólogo: comida é memória; comida é cultura. A mandioca, considerada pelo folclorista Câmara Cascudo, Rainha do Brasil, foi o elo de ligação com a memória do pequeno índio, trazendo uma nova perspectiva sobre o que significa comer e, assim como no caso do escritor francês, marcou sua trajetória radicalmente. Rodrix faleceu em 2009, e uma de suas canções mais conhecidas é “Casa no Campo”.

A seguir, o relato de Karaí, o qual considero nossa genuína experiência proustiana:

“Minha mãe trazia nas mãos uma cuia de cabaça cheia de alguma coisa que eu não via, mas que exalava um cheiro delicioso, que me penetrava as narinas e me enchia a boca de água. Quando ela colocou em frente à minha boca, erguendo-me o pescoço para que pudesse nela encostar meus lábios, a visão da superfície cinzenta e brilhante me encheu os olhos de lágrimas. O mingau de tapioca com farinha de peixe, feito com todo o cuidado sobre as brasas de uma fogueira do dia anterior, escorreu por minha boca, acariciando-me a língua e revestindo de delícias as paredes da minha garganta. Entrou por meu organismo adentro, enchendo meu estômago de alegria e paz, fazendo-me perceber, pela primeira vez na vida, o que era a fome e sua satisfação. Pensei, com minha cabeça de menino índio, que a coisa mais bela da vida era dar de comer a quem tem fome.

“Nunca havia sentido apetite (…). Mas de repente me interessava muito esse fenômeno estranho, que cresce como uma dor e uma falta, e se esgota não apenas pela quantidade, mas principalmente pela qualidade mais difícil de reter: o sabor. Misto de cheiro e paladar, com grande influência da visão que dela se tenha, a comida é o sabor aprisionado, que se libera gradativamente em contato com o nosso corpo, enchendo de prazer cada um de nós, até que a falta de novo se instale em cada um, e de novo precise ser preenchida (…). De uma maneira determinada, tudo estava incluído no cheiro, na visão e no gosto daquele mingau de tapioca com farinha de peixe, primeira inclusão de meu corpo em um universo no qual viveria minha vida e do qual extrairia, em doses às vezes díspares, às vezes insuportáveis, o terror e a felicidade que a todos acompanham nossa viagem pelo mundo”. (2013, p. 29-30).

Ao trazer essas experiências para o contexto da divulgação de informações sobre alimentação e da Educação Alimentar e Nutricional, devemos nos lembrar do diálogo entre Proust, Karaí e Mintz. As experiências proustianas se repetem permanentemente, em diferentes cenários culturais. Esse adulto, responsável por transmitir o material cultural comestível, pode ser representado por diversos atores sociais, como a família (pai, mãe, avós e tias); merendeiras; cozinheiros; e nutricionistas. Só não deveria ser representado por indústrias alimentícias que estão de olho nessa relação duradoura, somente pelo lado do consumo.

Na interseção entre alimentação e educação, as ideias do sociólogo Carlo Petrini, fundador da associação Slow Food, sustentam que o aprendizado deve ser saboroso e com corpo inteiro, não apenas com o intelecto. No documento Manifesto pela Educação (SLOW FOOD, 2010), destaco alguns princípios que se alinham com a experiência proustiana, e podem servir de inspiração para colocar em prática o sabor do conhecimento pela comida e pelo comer.

Para o Slow Food, a educação “é um caminho íntimo, que envolve a dimensão cognitiva, experiencial, afetiva e emocional; alimenta-se do contexto no qual se encontra, valorizando memória, saberes e culturas locais; desenvolve a consciência de si mesmo, do próprio papel e das próprias ações; e promove mudanças, gerando pensamentos e comportamentos novos e mais responsáveis”. Nesse diálogo, convido também o educador Paulo Freire ao sugerir que não se deve separar o cognitivo do emocional no aprendizado: “estudamos, aprendemos, ensinamos e conhecemos (…) com o nosso corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e com a razão crítica (1998, p. 8). Mintz, Proust, Karaí, Petrini e Freire postos numa mesma conversa nos mostram a centralidade de alimentação para o indivíduo e a sociedade; e como os sentimentos que nos alimentam são capazes de acessar a realidade e, por vezes, 
transformá-la.


Texto extraído de:
https://outraspalavras.net/brasil/os-papeis-culturais-e-afetivos-da-comida/
Fonte da Figura:
http://isabelabolsi.blogspot.com.br/2012/05/


Referências bibliográficas:
FREIRE, Paulo. Professora sim, Tia não: Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’ água, 1998.
MALUF, J,S, R. Segurança alimentar e nutricional. Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 2007.MINTZ, S. Comida e antropologia: uma breve revisão. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n º47, p 31-42. 2001.
________SLOW FOOD. Manifesto pela Educação. VII congresso Nacional, Albano Terme, 16 de maio de 2010. Disponível em http://www.slowfoodbrasil.com/campanhas-e-manifestos/711-manifesto-slow-food-pela-educacao.
PROUST, Marcel. No Caminho de Swann. Trad. Mário Quintana. São Paulo. Ed. Abril Cultural, 1982.
RODRIX, Z. O cozinheiro do rei: as aventuras e desventuras de Pedro Karaí Raposo, entre o Rio de Contas e a Corte de 17773-1823. São Paulo, Madras, 2013.


Cozinha dos lugares: O que é Gastronomia

A palavra gastronomia vem do grego  gaster  (ventre, estomago) e nomo (lei). Quem criou o termo foi o poeta e viajante grego Arquestratus, no século IV a.C.

Hoje a gastronomia continua se expressando por meio dos hábitos alimentares de cada povo, legado que passa de geração em geração. Cada comunidade foi criando sua cozinha, cuja seleção de alimentos era ditada pela tradição e pela cultura.

A gastronomia também está ligada às técnicas de cocção e ao preparo dos alimentos, ao serviço, ås maneiras à mesa e ao ritual da refeição. Sendo assim tão  abrangente, podemos entender que a cozinha e a culinária estão inseridas na gastronomia.


Fonte:
FREIXA, Dolores; CHAVES, Guta. Gastronomia no Brasil e no mundo.  Rio de Janeiro:  Senac Nacional, 2008.

Cozinha dos lugares - A comida e a bebida como memória...

Saber as pessoas... A comida e a bebida como memória...
...

(...) A comida para os seres humanos é sempre cultura, nunca apenas pura natureza. A humanidade adotou como parte essencial de suas técnicas de sobrevivência os modos de produção, de preparação e de consumo dos alimentos, desde o conhecimento sobre as plantas comestíveis até o uso do fogo como principal artifício para transformar o alimento bruto em um produto cultural, ou seja, em comida. A cozinha, assim, funda a própria civilização.

(...) O gosto é, portanto, um produto cultural, resultado de uma realidade coletiva e partilhável, em que as predileções e as excelências destacam-se não de um suposto instinto sensorial da língua, mas de uma complexa construção histórica. As cozinhas típicas e regionais são processos de lentas fusões e mestiçagens, desencadeadas nas áreas fronteiriças e, de pois, arraigadas nos territórios como emblemas de autenticidade local, mas cuja natureza é sempre híbrida e múltipla.


(...) Assim a linguagem alimentar representa identidades, posições sociais, gêneros, significados religiosos e, por isso, ela é ostentatória e cenográfica.


(...) Comida é cultura quando produzida, porque o homem não utiliza apenas o que encontra na natureza, mas ambiciona também criar a própria comida, sobrepondo a atividade de produção à de predação. Comida é cultura quando preparada, porque, uma vez adquiridos os produtos-base da sua alimentação, o homem os transforma mediante o uso do fogo e de uma elaborada tecnologia que se exprime nas práticas da cozinha. Comida é cultura quando consumida, porque o homem, embora podendo comer de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come qualquer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios ligados tanto às dimensões econômicas e nutricionais do gesto quanto aos valores simbólicos de que a própria comida se reveste.


Fonte do texto: 

MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. 2 ed. São Paulo: Editora Senac São paulo, 2013.

Festa do Divino - Comemoração tem sete séculos de existência...



A Festa do Divino é realizada sete semanas depois do Domingo de Páscoa, no dia de Pentecostes, para comemorar a descida do Espírito Santo sobre os doze apóstolos. Mas essa tradicional festa do folclore brasileiro é uma mistura de manifestações religiosas e profanas - isto é, sem caráter sagrado.


A História da Festa do Divino

A origem da Festa do Divino se encontra em Portugal do século 14, com uma celebração estabelecida pela rainha Isabel (1271-1336) por ocasião da construção da igreja do Espírito Santo, na cidade de Alenquer. A devoção se difundiu rapidamente e tornou-se uma das mais intensas e populares em Portugal.

Por isso, chegou ao Brasil com os primeiros povoadores. Há documentos que atestam a realização da festa do Divino em diversas localidades brasileiras desde os séculos 17 e 18.

É o caso de uma carta do capelão João de Morais Navarro a Rodrigues Cezar de Menezes, então governador da Capitania de São Paulo, datada de 19 de maio de 1723, que se iniciava com as seguintes palavras: "Indo ter à festa do Santíssimo Espírito Sancto a Vila de Jundiahy [...]" (em "Documentos Avulsos", publicação do Arquivo do Estado).


O Império do Divino

Originalmente, a Festa do Divino constituía-se do estabelecimento do Império do Divino, com palanques e coretos, onde se armava o assento do Imperador, uma criança ou adulto escolhido para presidir a festa, que gozava de poderes de rei. Tinha o direito, inclusive, de ordenar a libertação dos presos comuns, em certas localidades do Brasil e de Portugal.

Para arrecadar os recursos de organização da festa, fazia-se antecipadamente a Folia do Divino: grupos de cantadores visitavam as casas dos fiéis para pedir donativos e todo tipo de auxílio. Levavam com eles a Bandeira do Divino, ilustrada pela Pomba que simboliza o Espírito Santo e recebida com grande devoção em toda a parte. Essas Folias percorriam grandes regiões, se estendendo por semanas ou meses inteiros.

Para se ter uma ideia do prestígio da Festa do Divino no século 19, Câmara Cascudo lembra que o título de "imperador do Brasil" foi escolhido em 1822, pelo ministro José Bonifácio, porque o povo estava mais habituado com o título de imperador (do Divino) do que com o nome de rei.



Texto extraído de:
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/cultura-brasileira/festa-do-divino-comemoracao-tem-sete-seculos-de-existencia.htm
Fonte Imagem:
https://jornaldeitu.com.br/2018/05/12/cortejo-da-bandeira-do-divino-percorre-ruas-centrais/


Tradição e fé na Folia de Reis. Um estudo de forma, padrões e cultura



Segundo Sébillot e Saintyves, folclore é um resumo dos modos de sentir, pensar e agir próprios às camadas sociais populares, nas sociedades civilizadas. Tanto o objeto de estudo, as tradições populares ou o populário, neologismo brasileiro, como a disciplina científica que o compreende, são igualmente designados por folclore.

A palavra original “Folk-lore” significa segundo Thoms o “saber vulgar” que foi utilizada em uma famosa carta ao Athenaeum de Londres, publicada a 22 de agosto de 1846. Seu propósito era salvar restos de lendas, de baladas, tradições, dos usos e costumes antigos. Não levava em conta a realidade social de que tais elementos faziam parte. Essa coleta enquadrava-se nas tendências gerais do pensamento europeu onde valorizava o romantismo, os costumes nacionais, em que os temas eram oriundos de gente simples do campo, revelava canções, superstições, contos, representações e festas tradicionais, remanescentes de eras remotas.

    As teorias de busca dos fenômenos folclóricos teriam seu ponto de partida no Pantschatantra e no Hitopadesa da velha Índia, segundo Benfey; na Índia e nos povos de língua indo-européia, segundo Max Müller; no Egito segundo Elliot Smith e W. J. Perry; na Assíria e Babilônia, segundo Winckler.

    Alan Dundes, num ensaio demonstrou que o estudo do folclore tendeu a ser diacrônico, e não sincrônico:
    ... as explicações genéticas eram consideradas suficientes para definir a natureza do folclore.
    O fenômeno folclórico foi desde cedo identificado como tradicional, anônimo e popular, com a predominância mais geral da oralidade, ou seja, da transmissão direta de pessoa para pessoa, pelo exemplo, pela participação e pela proximidade. Estes qualificativos sofreram e estão sofrendo, um contínuo reajustamento, à medida que a experiência humana se enriquece. Tradicional, ao tempo de Thoms, era o que sobrava do passado; e a esta concepção simplista correspondia, naturalmente, a da imutabilidade da tradição.

    Um recenseamento sumário, à base de exemplos brasileiros, pode dar uma idéia aproximada do campo do folclore, tais como: literatura oral, folclore infantil, crendices e superstições, lúdicos, artes e técnicas, música, usos e costumes, linguagem. A unidade do folclore apresenta de forma indissolúvel, variada, diversa, multiforme, poli-crômica e nenhum dos seus elementos pode viver isoladamente.

    Em “Contos Populares do Brasil”, Romero excluiu os contos tupis, que não foram passados às populações do Império, considerando o índio estranho a nossa vida presente.(1883). Mas segundo Sébillot e Saintyves o folclore resulta da estratificação social, que não existe, ou pelo menos não separa os indivíduos.

    Muitos estudiosos enquadram o estudo do folclore nas pretensões da História, da Lingüística, da Psicologia, mais atualmente está entre a Sociologia e a Antropologia. Cabendo mais no campo da Antropologia cultural, como uma divisão especial, visto que já recorre a métodos e processos antropológicos para a documentação, a pesquisa e a análise dos seus fenômenos.
    
    Isoladamente quando se fala de Folia de Reis, o termo “Mago” aparece e essa terminologia se aplica aos sacerdotes da antiga religião persa que formavam uma casta coesa e poderosa. Eram tidos como sábios e possuidores de dons divinos. Seu contato com o outro mundo se fazia por meio dos astros, dedicando-se, por isto, ao estudo da Astronomia e às práticas astrológicas. Por causa desse prestígio, eram comumente escolhidos para preceptores dos príncipes persas.

    No cristianismo, o termo Reis Magos se refere a três célebres personagens que, segundo São Mateus, vieram do Oriente, guiados por uma estrela, visitar o recém-nascido Rei dos Judeus (Mt. Ii, 1-12). Este singelo e poético relato bíblico inspirou igualmente a tradição cristã primitiva, a imaginação popular e a arte dos pintores renascentistas. São vários os quadros célebres dessa cena. Desde cedo, a piedade cristã atribuiu nomes e outras particularidades a esse fato. Chamar-se-iam, pois, Melquior, Gaspar e Baltasar, mas as pinturas das catacumbas e alguns escritores do primeiro século sugerem dois, quatro e até doze reis magos. Talvez o número de três se tenha fixado pelo fato de se apresentar cada um como representante de cada uma das raças: branca, amarela e negra.

    A crença nos Reis Magos foi trazida desde os primórdios do descobrimento do Brasil, os encontros eram regados de comida, bebida, dança e orações cantadas em várias vozes.

    Sua festa, dia 6 de janeiro, foi sempre muito popular em toda a Europa católica, hoje é ainda lembrada nos países latinos e mais acentuada na Península Ibérica onde é feriado. O Dia de Reis, como é conhecido e ainda é festejado de maneira toda especial conforme a tradição é o dia de dar e receber presentes. Os colonizadores, portugueses e espanhóis transplantaram essa manifestação para a América Latina.

    No interior do Brasil, essa data é festejada com os chamados reisados. Em geral são formados por grupos que percorrem casas mais abastadas pedindo presentes e entoando cânticos folclóricos:

    ...”Ò de casa, nobre gente, escutai e ouvireis, lá nas bandas do Oriente, são chegados os três Reis”
   
 O Dia de Reis ou conhecida como Epifania inclui-se nas festividades do ciclo natalino. Cantam e encantam versos que segundo Affonso Furtado, em seu livro Reis Magos – História, Arte e Tradições, brinda-nos com belíssimos poemas:

Barcos de Santos Reis – Deífilo Gurgel

“Na festa de Santos Reis,
Da Cidade de Natal,
Qualquer pessoa do povo,
Com modesto capital,

Pode, se assim lhe aprouver,
Transformar-se num instante,
No feliz proprietário
Dos barcos mais elegantes

Que alguém já pensou em ter,
Para poder, algum dia,
Fazer um longo cruzeiro
De Oropa, França e Bahia.

São naus de papel de seda
Carregadas de castanhas
Sonhando terras distantes
De Portugal e de Espanha.

Herdeiras das velhas naus,
Catarinetas e Fragata,
Veleiros de D. Sancha
Coberta de ouro e prata.
    
No centro sul brasileiro as Folias de Reis existem em grande número e suas visitas às casas tem como objetivo o pagamento de promessas e a arrecadação de “prendas” ou “donativos em dinheiro” para festa do Dia de Reis. Estas festas podem ser realizadas tanto no dia 6 de janeiro como durante todo o mês, ficando por conta da tradição local.

    Nas pesquisas mais recentes pode-se encontrar variações dessa festa tradicional, onde grupos são denominados como: Reisados, Terno de Reis, Boi de Janeiro, Boi de Mamão, Boi de Reis, Bumba-meu-boi, Cavalo Marinho, Companhias de Pastores, Guerreiros, Lapinhas, Mulinha de Ouro, Pastores, Pastorinhas, Pastoris, Rancho de Nas festas de Reis encontra-se grande fartura de comida e bebida onde são servidos a todos sem distinção de raça ou poder econômico. Existe grande união de famílias que se propõem em realizar um serviço voluntário em prol da comunidade e união para entretenimento de todos e a manutenção da tradição e religiosidade local. A festa anual faz com que essas famílias abram suas casas para que as Folias cantem seu louvor. Os donos das casas enfeitam as janelas e o interior com toalhas, flores e imagens de santo, para receberem foliões. Muitas dessas casas onde se realizam as festas por tradição, são consideradas pelos foliões um campo sagrado, um local santo.

    Os grupos de Folia de Reis no centro sul brasileiro, em especial no triângulo mineiro, são formados de músicos e cantores onde todos trajam ternos brancos com lenços coloridos envoltos no pescoço. Usam-se bandeiras coloridas que simbolizam o nascimento e a visita dos três Reis Magos. A bandeira é o símbolo mais importante da festa onde é adorada e colocada em local de destaque. Os instrumentos utilizados são: instrumentos de corda, sanfona e percussão. Os cânticos contam a viagem, a chegada e a partida dos Reis Magos quando em visita ao nascimento do Rei dos Judeus – Jesus.

    O primeiro dia de visita do grupo para cumprir a tradição deverá ser feita no dia 24 de dezembro, conforme pesquisa realizada em Uberaba – MG com a família Torquato com mais de 70 anos de tradição em folia de reis, e assim repete diariamente durante a última semana de dezembro e todo mês de janeiro.

    A participação de crianças é algo marcante para a disseminação e perpetuação da tradição, crianças se vestem de anjos e levam a bandeira - símbolo do grupo.

    Em algumas folias o número de integrantes varia de 10 a 14 pessoas e equivale ao número de apóstolos de Cristo e mais os soldados de Herodes que segundo a Bíblia foi o rei que mandou matar o menino Jesus. Todos integrantes do grupo cantam e/ou tocam instrumentos como sanfona, viola, violão, bandolim, cavaquinho, triângulo, pandeiro, bumbo, caixa, chocalho, entre outros.

    Para alguns foliões e amantes da tradição, a Folia é uma religião. Entre os componentes estão:
Mestres - que conduzem a Folia, cantam, falam os versos nas chegadas das casas.

Contra-mestres que representam os reis magos - na busca pela estrela que os levará ao menino Jesus.

Palhaço(s) representam os soldados de Herodes disfarçados em farrapos e máscaras, que perseguiam os Reis Magos, a fim de informar o Rei Herodes onde estava o menino Jesus. Mas que ao encontrarem o menino, eles se arrependeram e se ajoelharam em adoração. Os palhaços acompanham a Folia de longe, indo atrás, para não serem notados. Só depois se revelam e cantam versos. Os palhaços costumam duelar entre si, por meio de suas trovas e versos cantados quando mais de uma folia se encontram. Na bênção da Folia na igreja, os palhaços tiram suas máscaras em respeito, os que se recusam a tirar as máscaras têm que esperar os outros foliões do lado de fora.

Foliões – pessoas que seguem o grupo como procissão.

    Muitas manifestações culturais e religiosas em nosso país se baseiam em músicas ou mesmo em estrofes com 4 versos, com versos falados ou cantados, passados de geração em geração pela rica cultura oral. As músicas ou versos cantados nessas manifestações têm uma cadência tão característica, e temática tão própria que só de ouvir de longe já se sabe do que se trata. (Overmundo, net)

... Eu te saúdo Rei Gaspar
Dai-me dessa semente para
Que eu possa ter e possa dar

...Eu te saúdo Rei Belchior
Dai-me dessa semente para
Que eu possa ter e possa dar

...Eu te saúdo Rei Baltazar
Dai-me dessa semente para
Que eu possa ter e possa dar

    Nas pesquisas realizadas junto a grupos do centro sul brasileiro pode-se notar grande fé popular nos Reis Magos, muitas promessas são feitas e muitos milagres são narrados pelos foliões.

    Existem grandes feiras promovidas por entidades governamentais e encontros de folias que ajudam na manutenção da cultura, mas somente nos grandes centros urbanos onde o capitalismo impõe suas regras de comércio e marketing.

    Um grande esforço é realizado pelas famílias festeiras para manter a tradição dos reisados, passando e ensinando de forma oral, voluntária e pouco didática para filhos, parentes, vizinhos e comunidade em prol da preservação cultural.

    Dados estatísticos mostram muitas folias espalhadas por todo o Brasil e em grande proporção e diversidade. Muitos grupos mesmo sem apoio financeiro ou incentivos culturais, no interior do país continuam suas apresentações e visitas pela fé e pela preservação colocando à mostra a riqueza das manifestações populares brasileiras.

Referências
ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira, Porto Alegre, Editora Globo, 1950.
ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil, São Paulo, Livraria Martins Editora.
AZEVEDO, Ricardo. Armazém do folclore, São Paulo, Editora Ática, 2000.
BERÇACO, Ériton. Folia de reis: o canto que toca e encanta, Overmundo, net. 2007.
BORIS, Kochno. Le Ballet. Hachetted, Paris, 1954.
CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro, Instituto Nacional do Livro, 1954.
MAGALHÃES, Alvaro. Dicionário enciclopédico brasileiro ilustrado, Rio de Janeiro, Editora Globo, 1951.
RIBEIRO, Darcy.O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Cia. Das Letras, 1997.
SILVA, Affonso M. Furtado da. Reis magos: história, arte, tradições. Rio de Janeiro,Leo Christiano Editorial, 2006.



Texto extraído de :

https://www.efdeportes.com/efd145/tradicao-e-fe-na-folia-de-reis.htm
Fonte Imagem:
http://www.cidadespaulistas.com.br/folia-de-reis/folia-de-reis.html