Saber as pessoas... A comida e a bebida como memória...
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(...) A comida para os seres humanos é sempre cultura, nunca apenas pura natureza. A humanidade adotou como parte essencial de suas técnicas de sobrevivência os modos de produção, de preparação e de consumo dos alimentos, desde o conhecimento sobre as plantas comestíveis até o uso do fogo como principal artifício para transformar o alimento bruto em um produto cultural, ou seja, em comida. A cozinha, assim, funda a própria civilização.
(...) O gosto é, portanto, um produto cultural, resultado de uma realidade coletiva e partilhável, em que as predileções e as excelências destacam-se não de um suposto instinto sensorial da língua, mas de uma complexa construção histórica. As cozinhas típicas e regionais são processos de lentas fusões e mestiçagens, desencadeadas nas áreas fronteiriças e, de pois, arraigadas nos territórios como emblemas de autenticidade local, mas cuja natureza é sempre híbrida e múltipla.
(...) Assim a linguagem alimentar representa identidades, posições sociais, gêneros, significados religiosos e, por isso, ela é ostentatória e cenográfica.
(...) Comida é cultura quando produzida, porque o homem não utiliza apenas o que encontra na natureza, mas ambiciona também criar a própria comida, sobrepondo a atividade de produção à de predação. Comida é cultura quando preparada, porque, uma vez adquiridos os produtos-base da sua alimentação, o homem os transforma mediante o uso do fogo e de uma elaborada tecnologia que se exprime nas práticas da cozinha. Comida é cultura quando consumida, porque o homem, embora podendo comer de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come qualquer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios ligados tanto às dimensões econômicas e nutricionais do gesto quanto aos valores simbólicos de que a própria comida se reveste.
Fonte do texto:
MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. 2 ed. São Paulo: Editora Senac São paulo, 2013.
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