Segundo Sébillot e Saintyves, folclore é um resumo dos modos de sentir, pensar e agir próprios às camadas sociais populares, nas sociedades civilizadas. Tanto o objeto de estudo, as tradições populares ou o populário, neologismo brasileiro, como a disciplina científica que o compreende, são igualmente designados por folclore.
A palavra original
“Folk-lore” significa segundo Thoms o “saber vulgar” que foi utilizada em uma
famosa carta ao Athenaeum de Londres, publicada a 22 de agosto de 1846. Seu
propósito era salvar restos de lendas, de baladas, tradições, dos usos e
costumes antigos. Não levava em conta a realidade social de que tais elementos
faziam parte. Essa coleta enquadrava-se nas tendências gerais do pensamento
europeu onde valorizava o romantismo, os costumes nacionais, em que os temas
eram oriundos de gente simples do campo, revelava canções, superstições,
contos, representações e festas tradicionais, remanescentes de eras remotas.
As teorias de busca dos fenômenos folclóricos teriam seu ponto de partida
no Pantschatantra e no Hitopadesa da velha Índia, segundo
Benfey; na Índia e nos povos de língua indo-européia, segundo Max Müller; no
Egito segundo Elliot Smith e W. J. Perry; na Assíria e Babilônia, segundo
Winckler.
Alan Dundes, num ensaio demonstrou que o estudo do folclore tendeu a ser
diacrônico, e não sincrônico:
... as explicações genéticas eram consideradas suficientes para definir a
natureza do folclore.
O
fenômeno folclórico foi desde cedo identificado como tradicional, anônimo e
popular, com a predominância mais geral da oralidade, ou seja, da transmissão
direta de pessoa para pessoa, pelo exemplo, pela participação e pela proximidade.
Estes qualificativos sofreram e estão sofrendo, um contínuo reajustamento, à
medida que a experiência humana se enriquece. Tradicional, ao tempo de Thoms,
era o que sobrava do passado; e a esta concepção simplista correspondia,
naturalmente, a da imutabilidade da tradição.
Um recenseamento sumário, à base de exemplos brasileiros, pode dar uma idéia
aproximada do campo do folclore, tais como: literatura oral, folclore infantil,
crendices e superstições, lúdicos, artes e técnicas, música, usos e costumes, linguagem.
A unidade do folclore apresenta de forma indissolúvel, variada, diversa,
multiforme, poli-crômica e nenhum dos seus elementos pode viver isoladamente.
Em “Contos Populares do Brasil”, Romero excluiu os contos tupis, que não foram
passados às populações do Império, considerando o índio estranho a nossa vida
presente.(1883). Mas segundo Sébillot e Saintyves o folclore resulta da
estratificação social, que não existe, ou pelo menos não separa os indivíduos.
Muitos estudiosos enquadram o estudo do folclore nas pretensões da História, da
Lingüística, da Psicologia, mais atualmente está entre a Sociologia e a
Antropologia. Cabendo mais no campo da Antropologia cultural, como uma divisão
especial, visto que já recorre a métodos e processos antropológicos para a
documentação, a pesquisa e a análise dos seus fenômenos.
Isoladamente
quando se fala de Folia de Reis, o termo “Mago” aparece e essa terminologia se
aplica aos sacerdotes da antiga religião persa que formavam uma casta coesa e
poderosa. Eram tidos como sábios e possuidores de dons divinos. Seu contato com
o outro mundo se fazia por meio dos astros, dedicando-se, por isto, ao estudo
da Astronomia e às práticas astrológicas. Por causa desse prestígio, eram
comumente escolhidos para preceptores dos príncipes persas.
No cristianismo, o termo Reis Magos se refere a três célebres personagens que,
segundo São Mateus, vieram do Oriente, guiados por uma estrela, visitar o
recém-nascido Rei dos Judeus (Mt. Ii, 1-12). Este singelo e poético relato
bíblico inspirou igualmente a tradição cristã primitiva, a imaginação popular e
a arte dos pintores renascentistas. São vários os quadros célebres dessa cena.
Desde cedo, a piedade cristã atribuiu nomes e outras particularidades a esse
fato. Chamar-se-iam, pois, Melquior, Gaspar e Baltasar, mas as pinturas das
catacumbas e alguns escritores do primeiro século sugerem dois, quatro e até
doze reis magos. Talvez o número de três se tenha fixado pelo fato de se
apresentar cada um como representante de cada uma das raças: branca, amarela e
negra.
A
crença nos Reis Magos foi trazida desde os primórdios do descobrimento do
Brasil, os encontros eram regados de comida, bebida, dança e orações cantadas
em várias vozes.
Sua festa, dia 6 de janeiro, foi sempre muito popular em toda a Europa
católica, hoje é ainda lembrada nos países latinos e mais acentuada na
Península Ibérica onde é feriado. O Dia de Reis, como é conhecido e ainda é festejado
de maneira toda especial conforme a tradição é o dia de dar e receber
presentes. Os colonizadores, portugueses e espanhóis transplantaram essa
manifestação para a América Latina.
No interior do Brasil, essa data é festejada com os chamados reisados. Em geral
são formados por grupos que percorrem casas mais abastadas pedindo presentes e
entoando cânticos folclóricos:
...”Ò de casa, nobre gente, escutai e ouvireis, lá nas bandas do Oriente, são chegados
os três Reis”
O
Dia de Reis ou conhecida como Epifania inclui-se nas festividades do ciclo
natalino. Cantam e encantam versos que segundo Affonso Furtado, em seu livro Reis
Magos – História, Arte e Tradições, brinda-nos com belíssimos poemas:
Barcos de Santos
Reis – Deífilo Gurgel
“Na festa de Santos
Reis,
Da Cidade de Natal,
Qualquer pessoa do
povo,
Com modesto capital,
Pode, se assim lhe
aprouver,
Transformar-se num
instante,
No feliz
proprietário
Dos barcos mais
elegantes
Que alguém já pensou
em ter,
Para poder, algum
dia,
Fazer um longo
cruzeiro
De Oropa, França e
Bahia.
São naus de papel de
seda
Carregadas de
castanhas
Sonhando terras
distantes
De Portugal e de
Espanha.
Herdeiras das velhas
naus,
Catarinetas e
Fragata,
Veleiros de D.
Sancha
Coberta de ouro e
prata.
No
centro sul brasileiro as Folias de Reis existem em grande número e suas visitas
às casas tem como objetivo o pagamento de promessas e a arrecadação de
“prendas” ou “donativos em dinheiro” para festa do Dia de Reis. Estas festas
podem ser realizadas tanto no dia 6 de janeiro como durante todo o mês, ficando
por conta da tradição local.
Nas pesquisas mais recentes pode-se encontrar variações dessa festa
tradicional, onde grupos são denominados como: Reisados, Terno de Reis, Boi de
Janeiro, Boi de Mamão, Boi de Reis, Bumba-meu-boi, Cavalo Marinho, Companhias
de Pastores, Guerreiros, Lapinhas, Mulinha de Ouro, Pastores, Pastorinhas,
Pastoris, Rancho de Nas festas de Reis encontra-se grande fartura de comida e
bebida onde são servidos a todos sem distinção de raça ou poder econômico.
Existe grande união de famílias que se propõem em realizar um serviço
voluntário em prol da comunidade e união para entretenimento de todos e a
manutenção da tradição e religiosidade local. A festa anual faz com que essas
famílias abram suas casas para que as Folias cantem seu louvor. Os donos das
casas enfeitam as janelas e o interior com toalhas, flores e imagens de santo,
para receberem foliões. Muitas dessas casas onde se realizam as festas por
tradição, são consideradas pelos foliões um campo sagrado, um local santo.
Os grupos de Folia de Reis no centro sul brasileiro, em especial no triângulo
mineiro, são formados de músicos e cantores onde todos trajam ternos brancos
com lenços coloridos envoltos no pescoço. Usam-se bandeiras coloridas que
simbolizam o nascimento e a visita dos três Reis Magos. A bandeira é o símbolo
mais importante da festa onde é adorada e colocada em local de destaque. Os
instrumentos utilizados são: instrumentos de corda, sanfona e percussão. Os
cânticos contam a viagem, a chegada e a partida dos Reis Magos quando em visita
ao nascimento do Rei dos Judeus – Jesus.
O
primeiro dia de visita do grupo para cumprir a tradição deverá ser feita no dia
24 de dezembro, conforme pesquisa realizada em Uberaba – MG com a família
Torquato com mais de 70 anos de tradição em folia de reis, e assim repete
diariamente durante a última semana de dezembro e todo mês de janeiro.
A
participação de crianças é algo marcante para a disseminação e perpetuação da
tradição, crianças se vestem de anjos e levam a bandeira - símbolo do grupo.
Em
algumas folias o número de integrantes varia de 10 a 14 pessoas e equivale ao
número de apóstolos de Cristo e mais os soldados de Herodes que segundo a
Bíblia foi o rei que mandou matar o menino Jesus. Todos integrantes do grupo
cantam e/ou tocam instrumentos como sanfona, viola, violão, bandolim,
cavaquinho, triângulo, pandeiro, bumbo, caixa, chocalho, entre outros.
Para alguns foliões e amantes da tradição, a Folia é uma religião. Entre os
componentes estão:
Mestres - que
conduzem a Folia, cantam, falam os versos nas chegadas das casas.
Contra-mestres que
representam os reis magos - na busca pela estrela que os levará ao
menino Jesus.
Palhaço(s)
representam os soldados de Herodes disfarçados em farrapos e máscaras, que
perseguiam os Reis Magos, a fim de informar o Rei Herodes onde estava o menino
Jesus. Mas que ao encontrarem o menino, eles se arrependeram e se ajoelharam em
adoração. Os palhaços acompanham a Folia de longe, indo atrás, para não serem
notados. Só depois se revelam e cantam versos. Os palhaços costumam duelar
entre si, por meio de suas trovas e versos cantados quando mais de uma folia se
encontram. Na bênção da Folia na igreja, os palhaços tiram suas máscaras em
respeito, os que se recusam a tirar as máscaras têm que esperar os outros
foliões do lado de fora.
Foliões –
pessoas que seguem o grupo como procissão.
Muitas manifestações culturais e religiosas em nosso país se baseiam em músicas
ou mesmo em estrofes com 4 versos, com versos falados ou cantados, passados de
geração em geração pela rica cultura oral. As músicas ou versos cantados nessas
manifestações têm uma cadência tão característica, e temática tão própria que
só de ouvir de longe já se sabe do que se trata. (Overmundo, net)
... Eu te saúdo Rei
Gaspar
Dai-me dessa semente
para
Que eu possa ter e
possa dar
...Eu te saúdo Rei
Belchior
Dai-me dessa semente
para
Que eu possa ter e
possa dar
...Eu te saúdo Rei
Baltazar
Dai-me dessa semente
para
Que eu possa ter e
possa dar
Nas pesquisas realizadas junto a grupos do centro sul brasileiro pode-se notar
grande fé popular nos Reis Magos, muitas promessas são feitas e muitos milagres
são narrados pelos foliões.
Existem grandes feiras promovidas por entidades governamentais e encontros de
folias que ajudam na manutenção da cultura, mas somente nos grandes centros
urbanos onde o capitalismo impõe suas regras de comércio e marketing.
Um grande esforço é realizado pelas famílias festeiras para manter a tradição
dos reisados, passando e ensinando de forma oral, voluntária e pouco didática
para filhos, parentes, vizinhos e comunidade em prol da preservação cultural.
Dados estatísticos mostram muitas folias espalhadas por todo o Brasil e em
grande proporção e diversidade. Muitos grupos mesmo sem apoio financeiro ou
incentivos culturais, no interior do país continuam suas apresentações e
visitas pela fé e pela preservação colocando à mostra a riqueza das
manifestações populares brasileiras.
Referências
ALVARENGA,
Oneyda. Música popular brasileira, Porto Alegre, Editora Globo, 1950.
ANDRADE, Mário
de. Danças dramáticas do Brasil, São Paulo, Livraria Martins Editora.
AZEVEDO, Ricardo. Armazém
do folclore, São Paulo, Editora Ática, 2000.
BERÇACO,
Ériton. Folia de reis: o canto que toca e encanta, Overmundo, net.
2007.
BORIS, Kochno. Le
Ballet. Hachetted, Paris, 1954.
CASCUDO, Luis da
Câmara. Dicionário do folclore brasileiro, Instituto Nacional do
Livro, 1954.
MAGALHÃES,
Alvaro. Dicionário enciclopédico brasileiro ilustrado, Rio de
Janeiro, Editora Globo, 1951.
RIBEIRO, Darcy.O
povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Cia. Das
Letras, 1997.
SILVA, Affonso M.
Furtado da. Reis magos: história, arte, tradições. Rio de Janeiro,Leo
Christiano Editorial, 2006.
Texto extraído de :
https://www.efdeportes.com/efd145/tradicao-e-fe-na-folia-de-reis.htm
Fonte Imagem:
http://www.cidadespaulistas.com.br/folia-de-reis/folia-de-reis.html
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