segunda-feira, 16 de abril de 2018

Livro sobre o Queijo do Serro oferece viagem de história e sabor pela tradição mineira


Ambientes bucólicos de Serro, na Região Metropolitana de BH, são cenário de onde surge iguaria considerada patrimônio nacional


'Memória e arte do Queijo do Serro' é um livro com sabor próprio. A pesquisa da professora Maria Coeli Simões Pires parte da origem do alimento, que é apontado como um dos mais antigos no mundo, e se estende por questões específicas que têm gosto de interior mineiro, como as implicações sociológicas e históricas da produção, o desenvolvimento de mercado e a popularidade do produto.
Ilustrado pelas fotografias de Luiz Otávio Lopes, a obra oferece uma incursão ao ambiente rural guardado em plena Região Metropolitana de Belo Horizonte, de onde nasce o ingrediente protagonista de diversas receitas tradicionais.

Considerado um patrimônio nacional, o Queijo do Serro carrega propriedades especiais que o tornam digno deste reconhecimento. A autora do livro, nascida na mesma cidade que dá nome à iguaria, é professora doutora de Direito, mas fez questão de se ater ao produto da terra como objeto de pesquisa. "Esse figurante do palco de tradições mineiras – o queijo, ícone de identidade – a isca que me joga na ratoeira do tempo, das lembranças, dos saberes e dos fazeres do mundo rural", ela escreve na introdução da obra.



Fonte:
https://www.uai.com.br/app/noticia/gastronomia/2013/09/27/noticias-gastronomia,146844/livro-sobre-o-queijo-do-serro-oferece-viagem-de-historia-e-sabor-pela.shtml


domingo, 15 de abril de 2018

Estrada Real - The Royal Gold And Diamond Tracks

  





Um verso a cada passo - A poesia na Estrada Real




A Estrada Real, tão importante para a formação do Brasil e ainda tão pouco conhecida dos brasileiros, é revisitada neste livro em poemas emocionantes, belissimamente ilustrados por colagens com tecidos e materiais de costura ou por bordados. Caminhos, cidades e detalhes das margens da Estrada surgem a cada página, coloridos, novos e ao mesmo tempo fiéis, homenagem emocionada à poesia das ideias que ela desperta em todos aqueles que a percorrem.



Fonte:
https://grupoautentica.com.br/autentica-infantil-e-juvenil/livros/um-verso-a-cada-passo-a-poesia-na-estrada-real/467

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Patrimônio Imaterial



Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial. 

Nesses artigos da Constituição, reconhece-se a inclusão, no patrimônio a ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, dos bens culturais que sejam referências dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. 

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define como patrimônio imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." Esta definição está de acordo com a Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo Brasil em março de 2006. 

Para atender às determinações legais e criar instrumentos adequados ao reconhecimento e à preservação desses bens imateriais, o Iphan coordenou os estudos que resultaram na edição do Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000 - que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) - e consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR)

Em 2004, uma política de salvaguarda mais estruturada e sistemática começou a ser implementada pelo Iphan a partir da criação do Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI). Em 2010 foi instituído pelo  Decreto nº. 7.387, de 9 de dezembro de 2010 o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), utilizado para reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, ação e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.



Instrumentos de Salvaguarda
​Bens Registrados
Bens em Processo de Instrução para Registro
Bens Inventariados
Estatísticas e Indicadores Culturais
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI)
Inventário Nacional da Dversidade Linguística
Conhecimento Tradicional Associado ao Patrimônio Genético (CTA)
II Seminário de Fortaleza - Desafios para o Fortalecimento da Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial
II Carta de Fortaleza






Fonte:
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234

Da terra brotam as bonecas de barro



Reportagem Rita de Podestá
Fotos André Dib

O Vale do Jequitinhonha possui um desenvolvimento humano — histórico e até cultural — imensurável em gráficos e em palavras. Um exemplo é a produção magnífico artesanato que ganha vida em personagens e em objetos de decoração. Os trabalhos com barro que criam as cerâmicas tão características do Vale têm origem no trabalho das mulheres. As bonecas são as mais famosas peças das artesãs — personalidades donas de emocionantes histórias de vida, marcadas pela superação por meio do trabalho e do talento. 

Quando se fala sobre a riqueza de uma determinada região, a princípio pensa-se em números e estatísticas. O que muitos questionam é que indicadores de desenvolvimento como o PIB (Produto Interno Bruto) e índices de taxa de crescimento desconsideram fatores sociais e ambientais que são ocultados por indicadores monetários. O resultado é a representação de um país, estado ou região por sua produção material, ignorando riquezas humanas.

A discussão sobre o tema existe e tem sido contornada. Desde a criação, em 1990, dos primeiros Indicadores de Desenvolvimento Humano (IDH), instituições internacionais, empresas e ONGs, buscam uma maneira de compensar, ou completar, os indicadores monetários por sociais, ambientais, até mesmo éticos. O IDH foi criado com a intenção de abordar o desenvolvimento humano. O índice considera longevidade (saúde), renda e educação. Todos itens de enorme importância, entretanto, ainda assim, deixam passar despercebidos comunidades que contornaram seus problemas com criatividade e muito trabalho.

Se o plano de destaque for menor, as desconsiderações desse tipo de riqueza são ainda maiores. É o caso do Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais. Uma mesorregião de cerca de 62,9 mil km², na qual vivem 977,8 mil pessoas — de acordo com o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — com um PIB total que corresponde a menos de 2,0% do PIB estadual.

O que não se sabe por meio destes dados é que o Vale possui um desenvolvimento humano — histórico e cultural — imensurável em gráficos e em até palavras. Discursos que enfatizam a condição de dificuldades da região desconsideram outras formas de interpretá-la como as possibilidades de leitura que passam exclusivamente pela cultura popular. Cultura que gera renda e desenvolvimento humano, para quem é do Vale e para quem visita a região.


LUTA E CONQUISTA

A mesorregião do Vale pode ser recortada em três partes. Alto Jequitinhonha, que corresponde à região de Diamantina; Médio Jequitinhonha, que representa à região de Araçuaí; e Baixo Jequitinhonha, a região de Almenara, próxima a Bahia.


O Alto do Jequitinhonha foi um dia terra rica em ouro e diamantes que chamou a atenção dos Bandeirantes. A primeira descoberta de ouro foi no final do século XVII, na cidade do Serro.  Com isso, nas regiões próximas a cidade histórica de Diamantina, foram instalados os primeiros núcleos de mineiros. Hoje é a região mais rica do Vale e apresenta melhores indicadores humanos e econômicos, além de intenso turismo.

Já o médio e baixo Jequitinhonha era coberto por floresta Atlântica e povoado por tribos indígenas. Nos primeiros anos do século XVII iniciou-se ali uma busca de terras propícias às pastagens. Numa disputa entre mão armada e flechas, os vaqueiros derrubaram a floresta. No lugar surgiu o capim colonião. O que restou é um solo velho, cansado e surrado pelo pisar dos animais, queimadas e estiagens.

Dessas lutas nasceram várias conquistas impulsionadas por lutas individuais de um povo, muitas vezes, sofrido. Hoje, o Vale do Jequitinhonha pode ser entendido como uma rica zona cultural, devido às suas diversas manifestações: folclore, conjuntos arquitetônicos e históricos e a produção artesanal, em palha, bambu, madeira, algodão e cerâmica. Sendo esta última, a mais representativa e reconhecida. O artesanato de cerâmica pode ser encontrado em museus, exposições, centros culturais, assim como em lojas especializadas em arte popular.

Algo que não aconteceu de maneira fácil, mas devido a perseverança e coragem de verdadeiras guerreiras de mãos fortes e corações gigantes. As mulheres do Jequitinhonha.


VIÚVAS DE MARIDO-VIVO

Os trabalhos com barro que criam as cerâmicas tão características do Vale, têm origem no trabalho das mulheres chamadas popularmente de Viúvas de Marido-vivo ou Viúvas da Seca. Devido à seca e dificuldades de encontrar trabalho, os homens da região foram sempre obrigados a deixar as famílias para trabalhar em outras cidades, principalmente São Paulo. Com isso, restava às esposas ficar em casa com os filhos e ir atrás de fontes de renda. A solução estava no único recurso abundante dali. A fonte veio da terra seca. As mulheres encontraram no barro a matéria-prima de vasilhas, panelas e potes e futuramente bonecas, animais e objetos de decoração. Foi assim que “da terra seca onde não nasce nem um pau de flor, começaram a brotar bonecas de barro”, como diz sabiamente o dito popular. Um conhecimento que atravessou gerações, transmitido de mãe para filha e as vezes até filho.

No início os produtos fabricados eram utilitários, e muitas vezes nem eram vendidos, mas trocados em feiras por alimentos. O caminho era árduo. Mães e filhas peregrinavam de madrugada com as peças, a pé ou de burro, para pegar o caminhão que as levaria à cidade de Capelinha. A artesã Anísia se lembra bem. “A gente levava na carroceria do caminhão. Arrumava nos balaios, levava as vezes na cabeça lá de Campo Alegre até no asfalto, pra pegar o caminhão. O caminhão passava lá de madrugada.” Anísia Lima de Souza mora Comunidade Campo do Buriti, a 10 quilômetros de Turmalina. Tem três filhos e seu marido trabalha numa mineradora em Conceição do Mato Dentro.

Essa rotina era feita aos sábados. Mal retornavam o trabalho já começava. Quando tudo acabava, já era outro dia de feira. “Segunda tirava o barro, socava amassava, tinha que produzir tudo na semana. Sexta queimava. Tirava de madrugada mesmo, embalava com capim, folha de banana. Aí punha nesse saco de fibra, punha na cabeça e ia embora. Chegava em capelinha e trocava as coisas: feijão café, verdura. Chegava em casa tinha que arrumar a casa. Domingo as vezes a gente saía, passeava. Ia no forró. Mas segunda, seis horas da manhã, tudo de novo.” Quem conta é Deuzani Gomes dos Santos, artesã também moradora da Comunidade Campo do Buriti.

Deuzani e Anísia são muito mais do que duas artesãs: representam uma história de  superação e humildade. Hoje, não relutam ao dizer como os tempos mudaram — para melhor. Mas elas têm na memória toda a sua trajetória de vida, muitas vezes solitária, porém com a ajuda das outras viúvas, mantinham vivas a certeza de que algo poderia ser feito.


MÃOS DE ARTESÃS QUE LEVANTAM PAREDES

Deuzani se lembra bem. Ela relata que em 1994 as artesãs se reuniram, na maioria jovens de Campo Alegre que casaram e mudaram para comunidades próximas à Turmalina. Eram oito, junto com Dona Rosa, já senhora e que morava na comunidade. Todas tinham que trabalhar, mas sabiamente perceberam que sozinhas não tinham a mesma força que unidas. O exemplo veio de Campo Alegre, onde algumas eram já afiliadas às Associações que sobreviviam muito pela ação da então CODEVALE (Comissão do Desenvolvimento Vale de Jequitinhonha). No final dos anos 70, este  órgão do governo — que depois foi transformada em uma secretaria especial do Vale do Jequitinhonha — enviava pessoas com frequência às associações para fazer alguma compra ou encomenda.

Elas começaram a se reunir onde fosse possível — na rua ou na porta da igreja —para discutir formas de melhorar o artesanato e a renda. Em um dos encontros, foram avistadas pelo padrinho de Deuzani que resolveu dar um lote para as artesãs construírem a associação. Eram então oito mulheres, um sonho em comum e um lote de 10m2. “Tínhamos o lote e a vontade de construir. Mais nada, material nenhum, nem por onde começar. Daí, surgiu um mutirão das mulheres e limpamos o lote.” No início a ajuda era escassa, mas aos poucos os homens ajudaram, inclusive a prefeitura, com material e transporte. O trabalho pesado ficou mesmo por conta das mãos femininas. “Levantamos paredes, alguns zombavam da gente, outros passavam e nos animavam e davam dicas pra nós”. Tudo era improvisado, menos a determinação.


“CAÇAR BARRO”

Hoje são mais de 40 artesãs. Deuzani saiu da associação, pois agora pode trabalhar sozinha. “Valeu o esforço, aprendi muito. Foi muito sofrido. As humilhações de ter que pedir as coisas e ouvir muitas negativas. Com cada coisa aprendi um pouco. Até como deixar os meus filhos para poder cuidar do trabalho. Pra mim a associação é um aprendizado. Aprendi a conviver.”

Dona Rosa é a mais velha. Ao ser perguntada sobre como tudo começou, diz que o caso é muito grande. “Eu comecei comigo mesma, não foi ninguém que me ensinou. Fui caçar barro, moldei umas dez panelas sem ninguém me ensinar e pus pra secar e queimar. Daí, eu vendi algumas por um mil e quinhentos réis.” Hoje com quase 90 anos, Dona Rosa não pensa em parar. “A cerâmica é um divertimento. Eu vivo sozinha aqui, tem dia que a cabeça tá ruim, aí eu pego uma panela de barro pra fazer.”


Junto com elas, várias outras mulheres são protagonistas. Irene, Zezinha, Luisa, Tereza, Faustina, Zefinha, Aúrea, Rita. Cada uma atua como pode. Faustina é líder comunitária, sempre preocupada com tudo e todos. Ela é responsável pela divisão das contas de água e luz dos moradores e pela coordenação da Associação de Moradores do Campo Buriti e Coqueiro Campo. Já Zezinha — Maria José Gomes da Silva — foi selecionada para a exposição de Mulheres Artesãs da ONU em Nova Iorque. Parece até que ela não sabe o quão perfeito já é seu trabalho. “Eu sempre acho que posso melhorar. Ah, eu queria uma boneca bonita demais, um vestido bonito demais”, afirma.


TURISMO SOLIDÁRIO

Todos esses esforços foram aos poucos chamando a atenção. Em 2005, o Governo de Minas criou o Turismo Solidário, um programa elaborado para realizar a ordenação turística de localidades que possuem rico patrimônio natural e cultural, porém baixos índices de desenvolvimento humano. A iniciativa qualificou vários moradores de algumas cidades do Norte do estado e do Vale do Jequitinhonha.

Enquanto isso, outras iniciativas surgiram de olho no desenvolvimento das riquezas culturais do Vale — e uma delas merece atenção especial: o projeto Raízes. Inaugurado em 2006 como Raízes Turismo e Desenvolvimento Local, tinha o propósito de unir o desejo das turismólogas Mariana Madureira e Marianne Costa  de desmistificar que o turismo deve ser uma atividade meramente econômica. Em 2009, criaram o Raízes Artesanato, de comercialização de artesanato solidário do Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas. Até que em 2012 ampliaram e criaram a Raízes Desenvolvimento Sustentável, um negócio social de desenvolvimento local que utiliza o turismo, artesanato e associativismo para promover experiências e enriquecimento cultural às pessoas, além de fomentar soluções sustentáveis de desenvolvimento local.

“Mariana e Marianne são duas meninas muito inquietas, muito vivas, que pensam sempre em como podemos transformar o mundo, mudar as coisas e como o turismo pode fazer diferença na vida das pessoas.” O depoimento é de Jussara Rocha, historiadora, hoje também sócia da empresa.
No início, a iniciativa consistia na tarefa de trazer, expor e vender o trabalho das artesãs. Mas certamente o convívio com as mulheres e a vida do Vale instigou as inquietas empresárias de que era possível e preciso fazer mais. Os valores das obras comercializadas não estavam apenas na beleza do objeto. O verdadeiro valor estava na história, na simpatia, na humildade de quem o produziu. “A gente valoriza o artesanato, porém fazemos as pessoas entenderem que o Vale do Jequitinhonha é a vida dessas pessoas. E mais: isso desmitifica o Vale como uma terra da pobreza. É um vale da riqueza das pessoas. As pessoas ali transformaram suas vidas com histórias incríveis”, argumenta Jussara.


DIÁLOGO E DESENVOLVIMENTO

A Raízes criou um diálogo com a comunidade para formatar um roteiro de base comunitária com as artesãs. No início, ensinaram as mulheres sobre a cadeia produtiva e sobre os preços — uma qualificação empreendedora. Hoje realizam consultoria, trabalhos de voluntariados, viagens solidárias e viagens de experiências. Essa última consiste numa viagem de seis dias para o Vale, nas regiões de Minas Novas e Turmalina. Inclui hospedagem e alimentação na casa das artesãs e uma oficina de cerâmica que engloba todo o processo de produção. A viagem conta com a consultoria da curadora de arte Maria Sônia Madureira de Pinho, pós-graduada em Gestão do Patrimônio e que já trabalhou com o mesmo grupo de artesãs.

Longe de ser um roteiro turístico engessado, a viagem torna-se uma experiência surpreendente. É uma imersão no mundo dessas guerreiras que recebem com um sorriso no rosto e uma vontade de compartilhar, de ensinar. A Raízes faz questão de que participem o maior número possível de mulheres: algumas dão oficinas, outras fazem almoços fartos e deliciosos, outras abrem suas casas para uma boa prosa.


“A gente faz a trilha, bate o barro, quebra o barro, soca, amassa, molda, cria o produto, espera secar, pinta, queima. Tudo em seis dias. Em cada casa elas contam uma história, e quando você vê todos parecem amigos de longa data. É muito bonito. Só vivendo. É difícil formatar um roteiro e colocar na prateleira,” explica Jussara.

Já as viagens solidárias são realizadas de acordo com demandas da região. A mais recente ação realizada foi a criação de uma biblioteca comunitária para as crianças. Foram doados mais de mil livros, que já estavam nas mãos de jovens e crianças antes mesmo da comunidade terminar de construir o local da nova biblioteca.


PERSONAGENS E PROTAGONISTAS

“O barro ensina as pessoas que tem boas ideias. Quando o barro é ruim não dá liga. Quando a ideia é ruim não dá liga também. ” É o que diz a sábia Dona Rosa. As ideias se aprimoraram. De potes e panelas, o artesanato ganhou vida em personagens e em objetos de decoração. As bonecas são, sem dúvida, as mais famosas das peças das artesãs. Casais, moças e mães amamentando seus filhos. Segundo Joubert Cândido,  coordenador da galeria do Sesc MG em Belo Horizonte, a ideia das bonecas surgiu por causa do formato das tampas de bilha — vaso de barro com gargalo curto e estreito. Mas cada objeto é de um jeito. Cada artista tem características próprias. Há quem diz que as bonecas levam traços da criadora.

 “O jeito de fazer a cerâmica mudou muito. O acabamento, as peças. Hoje, quase não se faz as peças que a gente fazia. O pessoal comprava pra usar mesmo. Agora, o pessoal usa muito peça industrializada e compra pra decorar”, coloca Deuzani. A artesã emociona quem escuta sua trajetória de vida. Ela conta que no dia em que nasceu, sua madrinha e parteira a levou para o lado de fora, já que na casa não havia luz. “Ela me pegou pra ver se eu era normal, pois estava escuro. Ela me disse que a primeira coisa que eu fiz foi abrir os olhos e olhar a lua. Eu sou apaixonada com a lua até hoje”. Deuzani teve uma vida difícil devido às dificuldades da região, mas nunca deixou de enxergar poesia onde pudesse.

Quando adolescente, sua principal companhia, muitas vezes, era o caderno no qual escrevia e depois desmanchava tudo para poder escrever mais. Agora, é uma artesã do barro e das palavras. Jussara relata que em uma das viagens ao Vale, teve o prazer de ler seus pequenos poemas. “A Deuzani é poeta. Um dia, ela se sentou comigo na casa dela. Eu perguntei o que ela mais gosta de fazer e ela me disse que o que mais gosta de fazer na vida é escrever. Ela me mostrou o que escreve — nunca havia mostrado para ninguém. Eu lia e chorava. Ela tem até a quarta série. É uma pessoa iluminada. O sonho dela é publicar  um livro.”

Fácil é se emocionar tantas histórias. Jussara diz, enfática, que ali estão “mulheres fortes e unidas para buscar soluções para melhorar a vida”.

O jeito é viver e ver de perto. Sentir o barro, pisar na terra seca e moldar com as artesãs uma nova forma de pensar sobre o Vale e suas verdadeiras riquezas.



Fonte:
http://revistasagarana.com.br/artesas-do-vale-do-jequitinhonha/



Outras Américas, Sebastião Salgado




Outras Américas registra os povos indígenas da América Latina. Com 48 fotografias em preto e branco, resulta de um trabalho que foi iniciado em 1977 e exigiu sete anos para ser concluído. Nova edição, com textos originais da época e um prefácio do editor Claude Nori relatando sua gênese.

Lília Waneck Salgado (Org.)
Tradução: Dorothée de Bruchard


APRESENTAÇÃO

Outras Américas, que registra os povos indígenas da América Latina, é o resultado de um trabalho que foi iniciado em 1977 e exigiu sete anos para ser concluído. Para realizá-lo, Sebastião Salgado percorreu desde o litoral do Nordeste brasileiro às montanhas do Chile e daí à Bolívia, ao Peru, ao Equador, à Guatemala, ao México. Na Introdução, o jornalista Alan Riding descreve o que aparece nas fotografias do livro: "Muito simplesmente, é o mundo dos destituídos, daqueles que os desertos e serras desoladas da América Latina observam enquanto seus países mudam, deixando-os de lado". É um mundo "que se mantém unido pelo nascimento, pela família e pela morte, e ainda pelo mito, pela fé e pelo fatalismo". Com sua estética que se põe a serviço da militância ética, Sebastião Salgado cria uma narrativa visual que muitas vezes obriga o leitor a constatar: é indiscutível a beleza das fotos, mas é terrível o mundo que elas retratam.

Salgado saiu do litoral do Nordeste brasileiro e passou por cidades da Bolívia, Chile, Peru, Equador, Guatemala e México. "Outras Américas" é um relato visual que impressiona pelo lirismo contido nas imagens, o que se explica pelo fato de o fotógrafo na época estar afastado do país.

Como diz no prefácio da edição, "meu único desejo era voltar à minha terra bem-amada, para meu Brasil do qual um exílio um pouco forçado me obrigou a me afastar".

Por outro lado, é uma pesquisa rica que mostra as condições de vida dos camponeses e a resistência cultural dos indígenas latino-americanos e de seus descendentes.
As mensagens trazem a marca registrada do autor e confirmam que Salgado é um fotógrafo fascinado pelo ser humano.


As fotos dessa obra baseiam-se nesse ímpeto de fascinação, fazendo o artista primar pela captação do universo humano e geográfico.

Por essa razão, o livro é uma documentação iconográfica valiosa, em que a composição e a percepção visual enunciam a expressão do autor filtrada pelas luzes e contrastes em preto-e-branco.

No plano histórico, as 120 páginas fazem uma espécie de resumo da América Latina, evidenciando seu lado místico e religioso entremeado pela miséria e pela morte.

Apesar de estar sendo lançado só agora no país, o livro não perdeu sua atualidade. Ao contrário -em fotos recentes da mexicana Flor Garduño, a situação dos indígenas permanece a mesma.
No Brasil, infelizmente, nota-se que o número de crianças de rua cresceu em relação ao período fotografado por Salgado.

De acordo com Lélia Wanick Salgado, mulher do fotógrafo, o livro só está sendo lançado agora no país porque a obra de Salgado foi descoberto há pouco tempo pelos brasileiros. Lélia, que também é autora do projeto gráfico do livro e diretora da Amazonas Images, agência criada pelo casal há cinco anos, disse que está prevista para o ano que vem uma grande mostra sobre o movimento das populações no mundo.



Fonte:
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=13994
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq21069909.htm

Terra, Sebastião Salgado




Salgado volta sua lente militante às feridas abertas da terra brasileira, numa homenagem comovente à gente que nela vive, e por ela morre. Acompanha um CD com quatro canções de Chico Buarque.


APRESENTAÇÃO

Se existe alguém que merece o título de Cidadão do Mundo, essa pessoa é o fotógrafo Sebastião Salgado. Cidadão porque seu talento tem a marca da generosidade, da luta incansável por uma melhor compreensão do homem; do Mundo porque sua lente solidária ignora preconceitos e fronteiras. 

"Fotografia militante": essa definição do próprio Salgado sobre seu trabalho - simples, precisa - está em Terra, assim como estava em Trabalhadores, também lançado pela Companhia das Letras. Em ambos, um profundo senso ético alimenta uma estética requintada. Mas enquanto naquele retratava-se o trabalho braçal em mais de vinte países, as cem fotos deste, todas em preto e branco, foram feitas no Brasil, entre 1980 e 1996. São imagens de pessoas de algum modo desterradas: trabalhadores rurais, mendigos urbanos, presos, garimpeiros, crianças de rua - gente vagando entre o sonho e o desespero, como escreve José Saramago no prefácio. Nessas fotos, a luminosidade bicromática reflete paisagens humanas onde pode faltar tudo, a começar pelo espaço mínimo para assentar a vida. Um CD com quatro canções de Chico Buarque (uma delas em parceria com Milton Nascimento) acompanha o livro, que teve lançamento simultâneo em quatro países: Brasil, França, Inglaterra e Portugal.

Prêmio Jabuti 1998 de Melhor Reportagem



Fonte:
https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10721

quarta-feira, 11 de abril de 2018

(2008) Regional, universal: 100 anos de Guimarães Rosa





















Ao se revisitar a obra de Guimarães Rosa, no ano em que o escritor completaria cem anos, percebe-se a força e atualidade de seus livros. O que faz uma obra de arte ser considerada bela, eterna e sobreviver ao tempo é uma questão com muitas respostas. As hipóteses passam pelas grandes revoluções técnicas como o sfumato de Leonardo da Vinci, a grandeza e a beleza estética de Dante Alighieri ou a espiritualidade de Johann Sebastian Bach.

Suzi Sperber, professora de literatura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que a atemporalidade da obra de Guimarães Rosa se deve "à extraordinária beleza do texto e forma como ele trabalha com as palavras". Segundo ela, a obra dele nos obriga a abordá-la com a emoção e não com a razão. "Ele quer a derrota da razão. O leitor não é obrigado a ter conhecimentos literários para ser envolvido pelo texto", afirma.

Os contos e romances do autor, na primeira impressão, parecem inacessíveis, mas ao mesmo tempo envolvem o leitor, principalmente através da linguagem poética e uma construção estética consciente do som e ritmo da palavra. Sua linguagem é um "terreno movediço e de limites imprecisos entre a prosa e a poesia", define Cláudia Soares, outra especialista em Guimarães Rosa e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, Rosa produziu uma mistura, partindo de uma dicção de fundo regionalista, acrescentando elementos provenientes de seu amplo conhecimento da língua portuguesa e das outras que conhecia – como arcaísmos, estrangeirismos e neologismos.

Grande sertão: veredas, a obra mais aclamada do autor, é uma auto-narrativa de um jagunço aposentado, que conta a sua história a um viajante, um "doutor", que passa um tempo hospedado em sua fazenda. O registro dessa conversa, no qual só ouvimos a voz do jagunço, reflete e interroga o doutor sobre os acontecimentos vividos, o sentido da existência, paixões e as lutas entre Deus e o Diabo. Cláudia define o livro como sendo "a estória de um homem em sua 'travessia', pela existência, tratando sobre questões que todos temos que enfrentar em nossas próprias travessias".

Um ponto em comum em vários textos de Rosa é o encontro de conceitos e pessoas, numa primeira análise, antagônicas como, por exemplo, o jagunço e o doutor. "Rosa promoveu definitivamente o encontro entre o mundo do doutor e o do sertanejo, entre a cidade e sertão, entre cultura rústica, de base oral, e cultura letrada. Assim, ele emprestou ao sertão significados simbólicos e alargou os seus limites para além das fronteiras geográficas. O sertão se tornou o mundo", reflete Cláudia.

Estudando Rosa é possível perceber que ele era sensível tanto à cultura popular do sertão, como à chamada erudita. Suzi Speber conta que passou um longo período na casa do autor logo após a sua morte. Na biblioteca, a pesquisadora teve acesso aos seus livros e observou suas anotações, grifos e até mesmo trechos que ele escrevia a partir do que lia. "Rosa era muito eclético, lia filosofia japonesa, européia e do oriente chinês. Ele também se interessava por livros de cunho espiritualista e até literatura espiritualista de terceira categoria", conta a pesquisadora.


CULTURA POPULAR 

Publicado em 1956, Grande sertão: veredas foi escrito quatro anos depois de uma famosa viagem do autor pelo interior de Minas Gerais, acompanhando a condução de uma boiada. Rosa anotou exaustivamente dados concretos da realidade física e da cultura sertaneja, e esses registros – suas famosas cadernetas de viagem, que atualmente se encontram no Instituto de Estudos Brasileiros da USP – foram utilizados como matéria-prima que o escritor trabalhou esteticamente para compor os livros. As anotações incluíam dados sobre a flora, a fauna e a gente sertaneja, usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias, enfim, tudo que lhe despertasse algum interesse.


BUSCA POR SIGNIFICADOS 

A união desses dois universos, do homem que falava sete idiomas e possuía uma vasta cultura, com o apreciador da cultura popular, é, talvez, o traço mais característico de Rosa. Suzi afirma que pôde perceber, nas anotações a que teve acesso, que o autor gostava de conversar com as pessoas mais humildes. "As pessoas que não tiveram instrução, procuram palavras para exprimir aquilo que experienciam, criam novas palavras, imagens, ou transformam outras que conhecem, mas não sabem o que significa. Essas pessoas humildes abriram o caminho para que Rosa partisse nessa busca por novas palavras e imagens", conclui.


 O texto coloca esses dois mundos, o popular e o erudito, em condição de igualdade e comunhão. Suzi lembra, como exemplo, o conto "São Marcos", do livro Sagarana, em que a trama envolve um doutor que trabalhava numa cidade pequena que tinha um curandeiro. E esse médico caçoava do segundo, até um dia em que ele perde a visão. O feiticeiro consegue devolver-lhe a visão, mas quando o doutor abre os olhos, ele vê nas mãos de seu curador um boneco com uma agulha espetada nos olhos. E daquele dia em diante, ele decide compactuar com o curandeiro. Cláudia Soares conclui que "neste ‘doutor’ que viaja pelo sertão, Rosa, que era médico e atendeu em cidades do interior, se reproduz".

Já para Suzi Sperber, "há muitas camadas de sentido, complexas, diferentes e de origens muito diferentes, que são perceptíveis exatamente a partir desse trabalho de linguagem que ele fez". Para a pesquisadora a obra de Guimarães Rosa seria como um palimpsesto, em que se raspa a tela de uma pintura e surge outra camada, que se raspada permite enxergar nova camada. "O texto de Rosa tem sempre mais camadas, você não encontrará uma análise que irá resultar em uma conclusão final, pois sempre haverá outra. Tem mil facetas. O fascínio é extraordinário", conclui.





Fonte:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000200028
Fonte das Imagens:
http://sinprominas.org.br/noticias/extra-classe-no-sertao-guimaraes-rosa/
https://www.literar.com.br/lexico-guimaraes-rosa/
https://www.instagram.com/p/BNp5Xf1BZEw/