Ao se
revisitar a obra de Guimarães Rosa, no ano em que o escritor completaria cem
anos, percebe-se a força e atualidade de seus livros. O que faz uma obra de
arte ser considerada bela, eterna e sobreviver ao tempo é uma questão com
muitas respostas. As hipóteses passam pelas grandes revoluções técnicas como
o sfumato de Leonardo da Vinci, a grandeza e a beleza estética de
Dante Alighieri ou a espiritualidade de Johann Sebastian Bach.
Suzi
Sperber, professora de literatura da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), acredita que a atemporalidade da obra de Guimarães Rosa se deve
"à extraordinária beleza do texto e forma como ele trabalha com as
palavras". Segundo ela, a obra dele nos obriga a abordá-la com a emoção e
não com a razão. "Ele quer a derrota da razão. O leitor não é obrigado a
ter conhecimentos literários para ser envolvido pelo texto", afirma.
Os contos e
romances do autor, na primeira impressão, parecem inacessíveis, mas ao mesmo
tempo envolvem o leitor, principalmente através da linguagem poética e uma
construção estética consciente do som e ritmo da palavra. Sua linguagem é um
"terreno movediço e de limites imprecisos entre a prosa e a poesia",
define Cláudia Soares, outra especialista em Guimarães Rosa e professora da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, Rosa produziu uma mistura,
partindo de uma dicção de fundo regionalista, acrescentando elementos
provenientes de seu amplo conhecimento da língua portuguesa e das outras que
conhecia – como arcaísmos, estrangeirismos e neologismos.
Grande
sertão: veredas, a obra mais aclamada do autor, é uma auto-narrativa de um
jagunço aposentado, que conta a sua história a um viajante, um
"doutor", que passa um tempo hospedado em sua fazenda. O registro
dessa conversa, no qual só ouvimos a voz do jagunço, reflete e interroga o
doutor sobre os acontecimentos vividos, o sentido da existência, paixões e as
lutas entre Deus e o Diabo. Cláudia define o livro como sendo "a estória
de um homem em sua 'travessia', pela existência, tratando sobre questões que
todos temos que enfrentar em nossas próprias travessias".
Um ponto em
comum em vários textos de Rosa é o encontro de conceitos e pessoas, numa
primeira análise, antagônicas como, por exemplo, o jagunço e o doutor.
"Rosa promoveu definitivamente o encontro entre o mundo do doutor e o do
sertanejo, entre a cidade e sertão, entre cultura rústica, de base oral, e
cultura letrada. Assim, ele emprestou ao sertão significados simbólicos e
alargou os seus limites para além das fronteiras geográficas. O sertão se
tornou o mundo", reflete Cláudia.
Estudando
Rosa é possível perceber que ele era sensível tanto à cultura popular do
sertão, como à chamada erudita. Suzi Speber conta que passou um longo período
na casa do autor logo após a sua morte. Na biblioteca, a pesquisadora teve
acesso aos seus livros e observou suas anotações, grifos e até mesmo trechos
que ele escrevia a partir do que lia. "Rosa era muito eclético, lia
filosofia japonesa, européia e do oriente chinês. Ele também se interessava por
livros de cunho espiritualista e até literatura espiritualista de terceira categoria",
conta a pesquisadora.
CULTURA
POPULAR
Publicado em
1956, Grande sertão: veredas foi escrito quatro anos depois de uma
famosa viagem do autor pelo interior de Minas Gerais, acompanhando a condução
de uma boiada. Rosa anotou exaustivamente dados concretos da realidade física e
da cultura sertaneja, e esses registros – suas famosas cadernetas de viagem,
que atualmente se encontram no Instituto de Estudos Brasileiros da USP – foram
utilizados como matéria-prima que o escritor trabalhou esteticamente para
compor os livros. As anotações incluíam dados sobre a flora, a fauna e a gente
sertaneja, usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas,
canções, casos, estórias, enfim, tudo que lhe despertasse algum interesse.
BUSCA POR
SIGNIFICADOS
A união
desses dois universos, do homem que falava sete idiomas e possuía uma vasta
cultura, com o apreciador da cultura popular, é, talvez, o traço mais
característico de Rosa. Suzi afirma que pôde perceber, nas anotações a que teve
acesso, que o autor gostava de conversar com as pessoas mais humildes. "As
pessoas que não tiveram instrução, procuram palavras para exprimir aquilo que
experienciam, criam novas palavras, imagens, ou transformam outras que
conhecem, mas não sabem o que significa. Essas pessoas humildes abriram o
caminho para que Rosa partisse nessa busca por novas palavras e imagens",
conclui.
Já para Suzi
Sperber, "há muitas camadas de sentido, complexas, diferentes e de origens
muito diferentes, que são perceptíveis exatamente a partir desse trabalho de
linguagem que ele fez". Para a pesquisadora a obra de Guimarães Rosa seria
como um palimpsesto, em que se raspa a tela de uma pintura e surge outra
camada, que se raspada permite enxergar nova camada. "O texto de Rosa tem
sempre mais camadas, você não encontrará uma análise que irá resultar em uma
conclusão final, pois sempre haverá outra. Tem mil facetas. O fascínio é
extraordinário", conclui.
Fonte:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000200028
Fonte das Imagens:
http://sinprominas.org.br/noticias/extra-classe-no-sertao-guimaraes-rosa/
https://www.literar.com.br/lexico-guimaraes-rosa/
https://www.instagram.com/p/BNp5Xf1BZEw/
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