AS FOTOS QUE ILUSTRAM ESTE TEXTO SÃO DE ORGULHOSOS NORDESTINOS QUE
CONHECI EM VÁRIOS LOCAIS DA NOSSA REGIÃO, JUNTO COM OUTROS AMIGOS, NOS ÚLTIMOS
SEIS ANOS. SÃO PESSOAS QUE NÃO SE ENVERGONHAM DE USAR O CHAPÉU DE COURO –
Fazenda Colônia – Carnaíba – Pernambuco – Foto – Solón Almeida Netto – 2008.
Autor – Rostand Medeiros
Este é um artefato que funciona como verdadeiro distintivo do
Nordeste e do nordestino. Creio que talvez não existe um material com um
aspecto tão forte em termos de identidade, tão representativo do nosso sertão
do que o belo e tradicional chapéu de couro.
Um Material Com Fins Práticos
A pecuária, a criação de gado no interior da atual Região do
Nordeste do Brasil foi o primeiro grande fator de geração de renda e
permanência do homem nesta região árida. Da atividade de criar o gado se
obtinha a carne para alimentação, o leite e em seguida o couro, que era
utilizado de diversas maneiras nas propriedades rurais. Em algumas fazendas se
desenvolveram rústicos curtumes, que serviram para transformar o couro em mais
um meio de geração de renda. Certamente foi nestes locais que se iniciou a
tradição da manufatura dos chapéus de couro.
Este tradicional artefato nordestino inicialmente serviu basicamente
para fins práticos, principalmente como parte da indumentária de proteção dos
vaqueiros.
Jeremoabo
– Bahia – Foto – Rostand Medeiros – 2012
Além de primariamente servirem para proteger a cabeça dos sertanejos
do inclemente sol e das chuvas temporárias, igualmente era utilizado para
proteger seus usuários das ervas espinhosas da vegetação de caatinga,
juntamente com o gibão e a perneira.
Mas apesar da designação comum, os chapéus de couro não possuíam um formato
único. Variavam imensamente conforme a localidade do vaqueiro, servindo até
mesmo como um identificador de sua proveniência.
Muitos acreditam que o tradicional chapéu de couro nordestino foi
criado pelos cangaceiros. Mas isso não é verdade!
Distrito
de Nazaré, município de Floresta – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2016
Entretanto devemos a estes bandoleiros das caatingas a transformação
deste material em uma peça característica extremamente marcante na história
deste movimento. Os cangaceiros faziam questão de colocar várias moedas (talvez
para mostrar o apurado dos saques?), santinhos, cruzes, estrelas e outros
símbolos, criando peças únicas em termos de estética e simbologia.
Fabricação Nada Fácil
Fabricar os tradicionais chapéus de couro nordestinos não é nada
fácil. Primeiramente o couro do animal é levado para o curtimento vegetal. Lá
ele é tratado, onde pode permanecer cru, com ou sem pelo, ser tingido, ou não.
Barro
– Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Na segunda parte do processo o couro é cortado, dependendo das medidas
determinadas, sendo tudo geralmente produzido à mão por jovens artesões.
Depois do corte o couro é molhado para ficar mais elástico e assim ser colocado
em moldes. É lá que eles ganham forma e vão para a secagem. Esse processo
depende da temperatura ambiente e pode durar de duas horas ou mais. Como chove
pouco no sertão nordestino, isso não é um grande problema.
Serra Talhada – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2014
Em seguida o chapéu ganha a aba que vai proteger o rosto do
vaqueiro. As oficinas fazem o tamanho das abas de acordo com o gosto do
comprador, mas na Paraíba elas se caracterizam por serem curtas, já em algumas
regiões da Bahia ela costuma ser maior.
A última etapa é a costura. Primeiro o material vai para a máquina de costura
reta receber o acabamento. Mas os desenhos e aplicações ficam por conta da
máquina manual, que apesar de ser mais trabalhosa é quem vai dar riqueza de
detalhes ao chapéu de couro.
Todo esse trabalho, realizado por abnegados artesões, no meu
entendimento o que mais valoriza este rico material.
Identidade Cultural
No meu entendimento foi a partir do sucesso de Luís Gonzaga no
Sudeste, que utilizava vários modelos de chapéu de couro em suas apresentações,
como marca de sua origem nordestina, estes acessórios passaram gradativamente a
ser utilizado como símbolo da vida sertaneja e do homem nordestino. Alem do
Velho Lua, estas verdadeiras coroas nordestinas foram, e ainda são, utilizadas
por gente do nível de Dominguinhos, Santana e tantos outros verdadeiros
cantadores nordestinos.
Vaqueiro
depois de retornar da caatinga – Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Entretanto, artistas que atualmente se dizem “forrozeiros”, que
infelizmente são oriundos do próprio Nordeste, não utilizam mais em suas
apresentações estes artefatos característicos.
Que eles não queiram usar estes símbolos nos grandes palcos é
problema deles. Até aí tudo bem, gosto não se discute!
Mas o que se lamenta aqui é esse pessoal, travestidos de “modernos”,
menosprezarem não apenas o velho e autêntico chapéu de couro, mas toda uma
secular e tradicional cultura criada na região.
Fazenda Barreiras, região da Serra Grande – Serra Talhada –
Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2013
No meu entendimento o pior é que estes “artistas”, junto com a sua
perniciosa e maciça “indústria cultural”, tentam de todas as formas mostrar a
cultura tradicional nordestina como algo decadente, ultrapassada, sem serventia
e em desuso. Estes seguem propagando músicas de extremo mau gosto, baixo nível
e cantadas por gente que no máximo deveria utilizar suas vozes para vender
jerimum na feira (com todo respeito aos feirantes).
A coisa é tão forte e o jogo é tão sujo que cheguei a ponto de
perceber que aqueles que decidem utilizar um chapéu de couro em algumas regiões
do próprio sertão nordestino são vistos de forma jocosa e com um olhar que fica
entre o espanto e o mais completo escárnio. Interessante que há tempos atrás eu
percebia isso apenas nas capitais.
Apesar desta questão, o bom e velho chapéu de couro está firme e
forte na cabeça daqueles nordestinos que valorizam a cultura tradicional de sua
terra. Até mesmo como símbolo de resistência cultural.
Loja
em Caruaru – Pernambuco – – Foto – Rostand Medeiros – 2016
E a melhor notícia é que a produção destes belos artefatos está
tendo continuidade.
Resistência e Continuidade
Certamente que a maioria destes “artistas” não possuem capacidade
mental de perceberem a beleza da arte que está por trás das tradicionais
vestimentas e acessórios dos nossos vaqueiros. Verdadeiras obras de arte
produzidas com maestria, por quem abraça um artesanato digno de exportação.
Barro
– Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Não posso negar que em toda a região não são muitos os artesões
envolvidos no processo de fabrico do tradicional chapéu de couro. Mas, para a
sorte dos que valorizam a autêntica cultura nordestina, temos verdadeiros
Mestres produzindo e ensinando a sua arte aos seus filhos e netos pelo Nordeste
afora.
Este é o caso dos descendentes de Antônia Maria de Jesus, a
conhecida “Totonha Marçal”, que continuam a manter a tradição no trabalho com
chapéus de couro no Distrito da Ribeira, no município de Cabaceiras, Paraíba.
Inclusive este município do Cariri Paraibano, situado a 180 Km de João Pessoa,
capital da Paraíba, é atualmente o maior produtor de chapéus de couro do
Brasil.
Fino trabalho de Mestre Aprígio, de Ouricuri, Pernambuco,
fotografado na Loja do Vaqueiro, em Caruaru – PE – Foto – Sérgio Azol – 2016.
Temos em Salgueiro, Pernambuco, mais precisamente na Fazenda
Cacimbinhas (a 14 quilômetros do centro da cidade), o exemplo de uma família
que há um século perpetua o ofício de transformar pedaços de couro em peças
artesanais que conquistaram personalidades do mundo artístico e da política
brasileira. Tudo começou em 1909 com Mestre Luiz, depois passou o oficio para
seu filho, o conhecido Zé do Mestre. Este chegou a fabricar vestimentas (só
gibões) para o amigo Luiz Gonzaga, o ex-presidente Médici, o rei Juan Carlos da
Espanha e até para o Papa João Paulo II, em sua última visita ao Brasil.
Atualmente a arte está preservada e nas mãos de seu filho Irineu Batista, mais
conhecido como Irineu do Mestre.
Já em Ouricuri, também em Pernambuco, temos o Mestre Aprígio e o seu
filho Romildo, que trabalham juntos mantendo a tradição. Mestre Aprígio tem
orgulho em exibir pelas paredes de sua oficina, que outro denominam
acertadamente de ateliê, as fotos que contam a história do artesão que começou
a trabalhar aos 24 anos de idade. Já são mais de 50 anos de profissão e
criatividade produzindo chapéus de couro, gibões e bolsas personalizados.
Governador Diz Sept Rosado – RN – Foto – Rostand Medeiros – 2010
Evidentemente que não posso esquecer de Espedito Velozo de Carvalho,
o Mestre Espedito Seleiro, de Nova Olinda, no Ceará. Ele tinha oito anos de
idade quando começou a ajudar o pai em sua oficina. As histórias que ouvia
quando criança eram célebres: foi o pai quem criou as sandálias do cangaceiro
Lampião. Com o passar dos anos Mestre Espedito só cresceu na qualidade do seu
trabalho, chamando a atenção de estilistas do Sudeste do país e foi ele que
assinou as peças que o ator Marcos Palmeira usou no filme “O Homem que Desafiou
o Diabo”, de 2007.
Eu acho muito bonito quem, mesmo que se abra para outras culturas,
tem orgulho de sua terra e de sua identidade cultural. Para mim, junto com a
bondade ao próximo e a humildade, é o tipo de situação que torna um outro ser
humano verdadeiramente digno de respeito.
Renovação,
Fazenda Barreiras – Serra Talhada – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2014
Sendo assim, não posso negar que fico muito feliz quando vejo alguém
utilizar o bom e velho chapéu de couro nordestino. Quando eu encontro uma
pessoa utilizando este tipo de material, penso que a cultura da minha terra
ainda resiste em meio a um mar de muita mediocridade.
Eu também tenho os meus chapéus de couro (3) e tenho muito orgulho
de utilizá-los, pois tenho a sorte de ser nordestino e amar minha região.
FONTES……………………………………………………………………………………………….
INTERNET
http://sg10.com.br/noticia/colunasespeciais/2014/9/artesao-salgueirense-mantem-tradicao-secular.html
http://tecendotexto.blogspot.com.br/2010/07/chapeu-de-couro-o-capacete-do-vaqueiro.html
http://ribeiradoriotaperoa.blogspot.com.br/2012/02/o-couro-ontem-e-hoje-na-ribeira.html
http://www.lilianpacce.com.br/e-mais/espedito-seleiro/
LIVROS
FREYRE, G. Vida Social no Brasil nos Meados do Século XIX. Recife:
Artenova, 1977.
PERICÁS, L. B. Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica.
São Paulo: Boitempo, 2010.
VIANNA, L. C. R. Bezerra da Silva, produto do morro: trajetória e
obra de um sambista que não é santo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
Fonte Imagem: https://tokdehistoria.com.br/2016/06/29/chapeu-de-couro-nordestino-indentidade-de-uma-regiao/
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