quinta-feira, 31 de maio de 2018

O imaginário dos folguedos, a tradição que educa. Cavalo Marinho de Condado – PE


Parabéns ao blog Além do Mar pela sua bela matéria que agora compartilho.

O Cavalo Marinho é um folguedo cênico pernambucano que envolve música, poesia, dança e objetos cênicos a partir do imaginário popular da região rural. Com intima ligação ao cotidiano do trabalhador canavieiro ao universo histórico representados no senhor de engenho e no escravo, adaptados as influências do cotidiano sócio  cultural da atualidade e que se desenvolve de forma dinâmica, envolvente e lúdica. Com apelo cômico e simbolismos religiosos, cenas intercaladas em diversas etapas de danças como: São Gonçalo, Coco e mergulhão, durante horas a fio. Assim a brincadeira avança pela madrugada até o amanhecer.

O folguedo conta com uma estrutura tradicional com um banco de samba, os personagens (figuras), o mestre e os galantes com seus arcos e fitas coloridas.







As figuras do Cavalo Marinho se dividem em três classificações, as figuras fantásticas, as figuras humanas e as figuras animais. As fantásticas surgem do imaginário popular, como, o Babau, o caboclo de Arubá, a morte, o cão, figuras que não existem, em seguida vem as figuras animais, o boi, cavalo, ema, onça, macaco. Nas figuras humanas há personagens  como o varredor de rua, o vaqueiro, Mané do baile, Pisa Pilão, verdureiro, bicheiro, Mané do motor, inspirado no mecânico dos motores do engenho do capitão Marinho. O doutor, que na morte do boi ressuscita ele, o empata Samba, Mané do baile, os bodes, que são dois bêbados que atrapalham os galantes quando estão falando as loas, Mané pequenino, Caipora, Pataqueiro, o soldado. O Ambrósio, Mateus, Bastião e Catirina compõe as figuras fixas, presentes em toda a apresentação que pode chegar a 76 personagens.

Toda sambada é diferente, o folguedo trás várias particularidades, que vão desde sua duração que pode chegar a 12 horas sem interrupção em uma única apresentação, e também por ser diferente de outro folguedos, seus brincantes também se apresentam em outras agremiações fazendo das apresentações uma grande troca de experiências e proporcionando o constante movimento de influências de uma agremiação a outra.


O homem por trás da mascara



 Ricardo Rocha conhecido como Maior, tem tatuados em suas pernas de um lado o cavalo marinho e de outro o maracatu de baque virado, brincante no Maracatu Estrela Brilhante a vinte anos, a oito anos no Cavalo Marinho, a cinco faz o personagem de Ambrósio no Cavalo Marinho Boi Brasileiro.
Uma vez no terreiro com um bocado de crianças, o mestre Biu Roque o chamou e disse: “A partir de hoje seu nome no Cavalo Marinha será “Maior”. Perguntado o porquê, o mestre disse que o nome dado foi por ele ser a maior criança que estava ali.

Ricardo mora em Sítio Novo a 84 km de Condado na Mata Norte de Pernambuco e diz que tantas as vezes que for chamado por mestre Luis (que após o falecimento de mestre Biu Roque assumiu o folguedo), ele virá atender para brincar  o cavalo marinho, “Só a satisfação de brincar e ser bem recebido é tudo para mim.” Além de ser uma promessa que ele fez a Mestre Biu Roque que era mestre de Cavalo Marinho, brincante de Ciranda, brincante de Coco, tocador de maracatu, brincante de babau, tocador de forró, onde certa vez pediu para não deixar morrer o Cavalo Marinho.“Cavalo marinho  é o alimento da minha alma”. Se depender dele e de muitos que lá estão, o cavalo marinho nunca irá se acabar.

“Falar de Biu Roque é a mesma coisa de falar de um avô pai de um irmão, um primo e de um filho, ele ensinou a respeitar as pessoas independente de onde estiver, para que as pessoas o respeite.”
Biu Roque e Luís deram o desfio a Ricardo de deixar de ser um dos galantes “para botar figura”. Ele diz se sentir respeitado, “fogoso”, importante, as atividades são muitas, puxar arco, botar figura, tocar no banco, bater pandeiro, rapar o bajo, balançar o mineiro, são algumas. A cultura popular é uma coisa que as sociedades tem que aprender.

Mestre Walter Ferreira de França é outro mestre  na vida de Ricardo, responsável por ensinar a tocar pandeiro, tocar maracatu, gostar de ciranda, gostar de caboclinho, bater zabumba de forró, cantar toada.

Apesar não ter aprendido a fazer versos improvisados, lembra de um decorado:
“meu pai muito avechado com minha mãe se casou, na ilusão do amor, terminei sendo gerado. Fiquei num canto apertado, sem ter calor nem frieza, sem praticar malvadeza, crime, vingança ou pecado, passei noves meses trancado, na prisão da natureza”.  

Uma das primeiras toadas feitas por barachinha para o maracatu.

O mestre José Mario guia seus galantes que dão o movimento e ritmo cheios de cores e evoluções com seus arcos em referência a temática religiosa do folguedo.
  





Em resumo, é preciso viver a apresentação de um cavalo marinho, resistir a travessia da madrugada e absorver toda a riqueza cultural preservada pelos mestres e compartilhada com jovens.




Fonte:
https://alemdomar.wordpress.com/tag/folguedos/


O povo conta... (Parte 3 - Final)



ORIGEM MISTA OU ORIGINAIS NO BRASIL

Boto

Acredita-se que a lenda do boto tenha surgido na região amazônica. Ele é representado por um homem jovem, bonito e charmoso que encanta mulheres em bailes e festas.

Após a conquista, leva as jovens para a beira de um rio e as engravida. Antes de a madrugada chegar, ele mergulha nas águas do rio para transformar-se em um boto.

Esta lenda pode ser uma versão sobrevivente do Ipupiara[9] original, que depois se transformou na Iara.


Capelobo

É um monstro com corpo de homem, focinho de anta ou de tamanduá e pés de girafa, que perambula durante as noites, em busca de algum alimento, lá pelas bandas do rio Xingu.

Adora comer as cabeças de cães e gatos recém-nascidos. Também adora beber o sangue de gente e de outros animais, rasgando-lhes a carótida.

Só pode ser morto com um tiro na região do umbigo. É uma espécie de lobisomem indígena.[5]


Iara

Relatada no Brasil desde o século XVI, a lenda da Iara é parte da mitologia universal, sendo uma variante da figura da seria.[10]

No princípio, a Iara se chamava Ipupiara, um homem-peixe que levava pescadores para o fundo do rio, onde os devorava. No século XVIII ocorreu a mudança, e o Ipupiara se tornou a sedutora sereia 

Uiara ou Iara, que enfeitiça os pescadores com sua beleza e canto e os leva para o fundo das águas. Por vezes ela assume a forma humana completa e sai em busca de suas vítimas.


Negrinho do Pastoreio

Lenda afro-cristã de um menino escravo que é espancado pelo dono e largado nu, sangrando, em um formigueiro, por ter perdido um cavalo baio.

No dia seguinte, quando foi ver o estado de sua vítima, o estancieiro tomou um susto. O menino estava lá, mas de pé, com a pele lisa, sem nenhuma marca das chicotadas, nem fora comido pelas formigas. Ao lado dele, Nossa Senhora, e mais adiante o baio e os outros cavalos.

O estancieiro se jogou no chão pedindo perdão, mas o negrinho nada respondeu. Apenas beijou a mão da Santa, montou no baio e partiu com a tropilha.

Depois disso, tropeiros, mascates e carreteiros da região, todos davam notícia de ter visto passar uma tropilha de tordilhos, tocada por um negrinho montado em um cavalo baio. Então, muitos passaram a acender velas e rezar um Pai Nosso pela alma do supliciado.

Daí por diante, quando qualquer cristão perdia uma coisa, o que fosse, pedia-la ao Negrinho, que a campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma vela, que ele levava para o altar de sua madrinha, a Virgem que o livrara do cativeiro.[11]


Pisadeira

Popular no interior de Minas Gerais e São Paulo, relata uma mulher com aparência assustadora, alta, magra, com dedos e unhas compridas, olhos vermelhos e arregalados, nariz comprido para baixo e queixo grande. Possui algumas vezes cabelos brancos desgranhados.

De acordo com a lenda, a Pisadeira fica em telhados das casas observando a movimentação. Após o jantar, quando alguém vai dormir de barriga cheia, ela sai de seu esconderijo e pisa no peito da pessoa, e a paralisa. A vítima fica consciente e desesperada.[12]


REFERÊNCIAS

1 a b c d e Lendas brasileiras. Brasil Escola
Espinheira, Ariosto. Viagem Através do Brasil, Volume 1, 6a. Edição, Edições Melhoramentos.
Mesquita, Paulo Aníbal G.Mapinguari - Fato ou Mito?. IN Revista Sexto Sentido. 2010-05-06 16:05
4 Cientistas tentam encontrar "monstro da Amazônia". Terra notícias, 07 de julho de 2007- 18h13
5 a b Pericão, Alexandra. Uaná, um curumim entre muitas lendas. São Paulo: Editora do Brasil; 2011; 1ª ed.
6 Lobisomem. Brasil Folclore, 2001
7 Pericão, Alexandra = Uaná, um curumim entre muitas lendas - Editora do Brasil, 2011
8 Folclore Brasileiro - O Bicho papão e a Cuca. Radar da Net, 2011
9 O Boto que vira um rapaz bonito ou Ipupiara. Brasil Folclore, 2011
10 Brandao, Toni (1998). A Iara. [S.l.]: Studio Nobel. p. 16. ISBN 8585445688
11 Lopes Neto, João Simões. O Negrinho do Pastoreio. Disponível em Wikisources
12 Sua Pesquisa. "Lenda da Pisadeira". Consultado em 28 de março de 2015.




Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lendas_do_folclore_brasileiro

O povo conta... (Parte 2)



ORIGEM EUROPEIA

Corpo-seco

Um homem muito cruel, que surrava a própria mãe. Ao morrer, foi rejeitado por Deus e o Diabo. Não foi enterrado, porque a própria terra, enojada, vomitou seu corpo.

Assim, perambula por aí, com o corpo todo podre, ainda cheio de ódio no coração, fazendo mal a todos os que cruzam o seu caminho.

Há relatos desta lenda nos estados de São Paulo, Paraná, Amazonas, Minas Gerais e na região Centro-Oeste.[5]

Lobisomem

Lenda que aparece em várias regiões do mundo, falando da desgraça de um homem que tem sua natureza humana fundida com a de um lobo periodicamente, sob influência da Lua cheia. Nesta condição ele é uma criatura feroz que ataca pessoas.

Ele pode ser o resultado de um pacto de alguém com as forças do mal, ou nasceu na condição de sétimo filho homem de seus pais.[6]


Mula sem cabeça

Lenda hispânico-portuguesa, cuja versão mais corrente é a de uma mulher, virgem ou não, que dormiu com um padre, pelo que sofre a maldição de se transformar nesse monstro em cada passagem de quinta para sexta-feira, numa encruzilhada.

Outra versão fala que se nascesse uma criança desse amor proibido, e fosse menina, viraria uma mula sem cabeça; se menino, seria um lobisomem.

A Mula percorre sete povoados naquela noite de transformação, e se encontrar alguém chupa seus olhos, unhas e dedos.

Apesar do nome, a Mula sem cabeça, de acordo com quem já a "viu", aparece como um animal completo, que lança fogo pelas narinas e boca, onde tem freios de ferro. Às vezes, vista de longe, parece chorar um choro humano e pungente.

Se alguém lhe tirar os freios o encanto se quebra; também basta que se lhe inflija qualquer ferimento, desde que verta pelo menos uma gota sangue.[1]


Vitória-régia

Lenda de origem tupi-guarani, contando que, no começo do mundo, toda vez que a Lua se escondia no horizonte ia folgar com suas virgens prediletas. Se a Lua gostava de uma jovem, a transformava em estrela. Naiá, filha de um chefe e princesa da tribo, ficou impressionada com a história. Quando todos dormiam e a Lua andava pelo céu, Naiá subia as colinas e perseguia a Lua na esperança que esta a visse e a transformasse em estrela. Fez isso por longo tempo, e chorava porque a Lua não a notava. Certa noite, em prantos à beira de um lago, Naiá viu refletida nas águas a imagem da Lua. 

Pensado que ela, enfim viera buscá-la, Naiá atirou-se nas águas e nunca mais foi vista. Compadecida, a Lua resolveu transformá-la em uma estrela diferente, a "Estrela das Águas", a planta vitória-régia, cujas flores brancas e perfumadas só abrem à noite, e ao nascer do sol ficam rosadas.[1][7]


Saci Pererê

Provável importação portuguesa, relatado primeiramente na Região Sudeste, no século XIX. O Saci Pererê é um menino negro de uma perna só, e, conforme a região, é um ser maligno, benfazejo ou simplesmente brincalhão.

Está sempre com seu cachimbo, e com um gorro vermelho que lhe dá poderes mágicos. Vive aprontando travessuras e se diverte muito com isso. Adora espantar cavalos, queimar comida e acordar pessoas com gargalhadas.

A lenda também diz que o Saci se manifesta como um redemoinho de vento e folhas secas, e pode ser capturado se lançarmos uma peneira ou um rosário sobre o redemoinho.

Se alguém tomar-lhe a carapuça, tem um desejo atendido. Se alguém for perseguido por ele, deve jogar cordões enozados em seu caminho, pois ele vai parar para desatar os nós, permitindo que a pessoa fuja. Às vezes se diz que ele tem as mãos furadas na palma, e que sua maior diversão é jogar uma brasa para o alto para que esta atravesse os furos.

Há uma versão que diz que o Caipora é seu pai.

Os tupinambás tinham uma história afim, uma ave chamada Matita-perera, que com o tempo, passou a se chamar Saci-pererê, deixando de ser ave para se tornar um caboclinho preto e perneta, que aparecia aos viajantes perdidos nas matas.[1]


Cuca

Diz a lenda que era uma velha feia com forma de jacaré, que rouba as crianças desobedientes.

A figura da Cuca tem afinidades funcionais com a do Bicho-papão[8] e o Velho do saco, seres medonhos a quem alguns pais ameaçam entregar as crianças rebeldes.




Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Lendas_do_folclore_brasileiro
Fonte Imagem: https://www.geledes.org.br/10-curiosidades-sobre-o-saci-perere-que-voce-provavelmente-nao-sabia/

O povo conta... (Parte 1)


Os mitos brasileiros possuem origem na mitologia dos índios nativos, em conjunto com os mitos trazidos da Europa pelos portugueses e da África pelos negros.

A mescla de diferentes culturas permitiram produzir mitos únicos, mas também é possível observar diversos elementos comuns com mitos de outros povos.

No início do século XIX, as artes brasileiras estão passando pelo Romantismo e muitas das lendas brasileiras passam a ser representadas em poemas, livros e pinturas devido ao movimento nacionalista ocorrido neste período e é neste momento que o autor Monteiro Lobato publica sua obra infantil, a coleção do Sítio do Pica-pau Amarelo, na qual são apresentadas algumas das lendas brasileiras.

ORIGEM INDÍGENA

Boitatá

Foram encontrados relatos do Boitatá em cartas do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560, como uma lenda indígena que descreve uma cobra de fogo de olhos enormes ou flamejantes.

Para os índios ele é "Mbaê-Tata", ou Coisa de Fogo, e mora no fundo dos rios. A narrativa varia muito de região para região. Único sobrevivente de um grande dilúvio que cobriu a terra, o Boitatá escapou entrando num buraco e lá ficando, no escuro, motivo pelo qual seus olhos cresceram.

Outros dizem que é a alma de um malvado, que vai incendiando o mato à medida que passa. Por outro lado, em certos locais ele protege a floresta dos incêndios. Algumas vezes persegue os viajantes noturnos, ou é visto como um facho cintilante de fogo correndo de um lado para outro da mata. Tem vários outros nomes: Cumadre Fulôzinha, Baitatá, Batatá, Bitatá, Batatão e Biatatá.

O Boitatá pode ser uma explicação mágica para o fogo-fátuo.[1] A versão que predominou foi a do Rio Grande do Sul. Nessa Região, reza a Lenda que houve um período de noite sem fim nas Matas. 

Além da escuridão, houve uma enorme enchente causada por chuvas torrenciais. Assustados, os animais correram para um ponto mais elevado a fim de se protegerem. A Boiguaçu, uma Cobra que vivia numa gruta escura, acorda com a inundação e, faminta, decide sair em busca de alimento, com a vantagem de ser o único bicho acostumado a enxergar na escuridão. Decide comer a parte que mais lhe apetecia, os olhos dos animais e de tanto comê-los vai ficando toda luminosa, cheia de luz de todos esses olhos. O seu corpo transforma-se em ajuntadas pupilas rutilantes, bola de chamas, clarão vivo, Boitatá, Cobra de fogo. Ao mesmo tempo a alimentação farta deixa a Boiguaçu muito fraca. Ela morre e reaparece nas Matas serpenteando luminosa. Quem encontra esse ser fantástico nas campinas pode ficar cego, morrer e até enlouquecer. Assim, para evitar o desastre os Homens acreditam que têm que ficar parados, sem respirar e de olhos bem fechados. A tentativa de escapar da Cobra apresenta riscos porque o ente pode imaginar que a fuga é de alguém que ateou fogo nas Matas. No Rio Grande do Sul, acredita-se que o "Boitatá" é o protetor das Matas e das campinas. A verdade é que a ideia de uma cobra luminosa, protetora de campinas e dos campos aparece frequentemente na Literatura, sobretudo nas narrativas do Rio Grande do Sul.


Cobra-grande ou Boiuna

A boiuna, ou cobra-grande, é um mito amazônico de origem ameríndia.

Serpente lendária da Região Norte, que mora entre as rochas dos rios e lagoas, de onde sai para afundar barcos. Quando ela sai das rochas, troveja, lança raios e faz chover. Também pode imitar as formas das embarcações, atraindo náufragos para o fundo do rio.

Se a chuva é muito forte e ameaçadora de novo dilúvio, toma a forma de arco-íris e serena as águas.
Ainda segundo a lenda, a lua é a cabeça da serpente, as estrelas são os olhos e o arco-íris é o sangue da cobra-grande.[2]


Curupira

Também conhecido como Caipora, Caiçara, Caapora, Anhanga ou Pai-do-mato, todos esses nomes identificam uma entidade da mitologia tupi-guarani, um protetor das matas e dos animais silvestres.

Representado por um anão de cabelos vermelhos e compridos, e com os pés virados para trás, que fazem se perder aqueles que o perseguem pelos rastros. Monta num porco do mato e castiga todos que desrespeitam a natureza. Quando alguém desaparece nas matas, muitos habitantes do interior acreditam que é obra do curupira.

Os índios, para agradá-lo, deixavam oferendas nas clareiras, como penas, esteiras e cobertores. Também se dizia que uma pessoa deveria levar um rolo de fumo se fosse entrar na mata, para lhe oferecer caso o encontrasse. Sua presença é relatada desde os primeiros tempos da colonização.

Conforme a região ele pode ser uma mulher ou uma criança de uma perna só que anda pulando, ou um homem gigante montado num porco do mato, tendo como acompanhante o cachorro Papa-mel.[1]


Macaxeira

Um mito indígena que tem seu princípio na menina Mara, filha de um cacique, que vivia sonhando com o amor e um casamento feliz. Certa noite, adormeceu e sonhou com um jovem loiro e belo que descia da Lua e dizia que a amava.

Mara apaixonou-se, mas logo o jovem desapareceu de seus sonhos, e embora virgem, percebeu que esperava um filho. Deu à luz uma graciosa menina, de pele branca e cabelos loiros, a quem chamou Mandi. Em sua tribo foi adorada como uma divindade, mas adoeceu e acabou falecendo.

Mara sepultou a filha em sua oca e, inconsolável, de joelhos, chorava todos os dias sobre a sepultura, deixando cair leite de seus seios, para que a filha revivesse. Um dia brotou ali um arbusto. Cavando a terra, Mara encontrou raízes muito brancas, brancas como Mandi, que, ao serem raspadas, exalavam um aroma agradável. Todos entenderam que criança viera à Terra para alimentar seu povo.


Mapinguari
Monstro que ainda hoje aterroriza os moradores da floresta na região amazônica. Segundo as descrições o Mapinguari[3] é uma criatura parecida com um macaco, mais alto que um homem, de pelo escuro, com grande focinho que lembra o de um cachorro, garras pontiagudas, uma pele de jacaré, um ou dois olhos e que exala um forte mau cheiro.

Segundo o índio Domingos Parintintin, líder de uma tribo, ele só pode ser morto com uma pancada na cabeça. Mas há grande risco, pois a criatura tem o poder de fazer a vítima ficar tonta e"ver o dia virar noite".

David Oren, ex-diretor de pesquisa no Museu Paraense Emílio Goeldi, afirma que a lenda do Mapinguari é uma reminiscência de possíveis contatos de homens primitivos com as últimas preguiças gigantes que viveram na região.

A persistência de relatos recentes de avistamento levou a cientistas organizarem expedições à região[4], que não resultaram, contudo, em encontro com ou identificação do animal.




Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lendas_do_folclore_brasileiro

O senhor Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo


Obra sem similar na língua portuguesa, o Dicionário do folclore brasileiro reaparece conforme a última edição revista pelo autor. Milhares de verbetes sobre as superstições, crendices, mitos, danças, lendas, práticas mágicas adotadas e vividas pelo povo brasileiro em seu cotidiano.

Uma das obras mais importantes de Câmara Cascudo foi o Dicionário do Folclore Brasileiro, que contou com sua primeira edição em 1954. Organizado pelo autor e composto por verbetes classificados por ordem alfabética, escritos por vários estudiosos da cultura nacional, o livro pretendia reunir o universo folclórico das danças, cantos, festejos populares, figuras indígenas, personagens míticos, instrumentos musicais e tudo aquilo que se relacionasse com a cultura brasileira. 

A obra procura mostrar que todos os países do mundo, com seus diferentes grupos humanos, possuem um conjunto de tradições que compõe um patrimônio transmitido oralmente e que deve ser conservado e defendido através dos costumes. Tal conjunto seria também contemporâneo, porque cresce ao anexar os conhecimentos diários e as transformações pelas quais sofrem os grupos nos dias contemporâneos.



Também defende que o folclore é imortal e irá permanecer no tempo e no espaço por tempo indeterminado – ainda que exista um folclore específico relacionado aos períodos industriais, com seus mitos da grandeza das máquinas. Ou, então, que existiu um “folclore” na Babilônia ou na Grécia Antiga, ou seja, um conjunto de conhecimentos individuais ou coletivos que se tornaram de todo aquele povo e foram transmitidos para as gerações seguintes. 

Os verbetes da obra tratam dos mais variados temas. Ainda que a organização seja alfabética, poderíamos dividi-los, em primeiro lugar, entre aqueles que versam sobre as festas tradicionais, folguedos e bailes, com explicações de manifestações como o bumba meu boi; em segundo lugar, estariam as bebidas e os alimentos populares, como a forma tradicional de fazer rapadura; e, em terceiro lugar, estariam as visões e assombrações que são conhecidas por todo o Brasil, como a mula sem cabeça, o boitatá ou o lobisomem. 

A partir de então, os verbetes passam a tratar das danças características de nosso país, como o frevo ou o maracatu. Em seguida, fala-se das lutas e das artes, como a capoeira. Há uma atenção especial para o legado indígena em nossa cultura. Por fim, os autores demandam alguns verbetes para os elementos religiosos populares, como os banhos de cheiro, as defumações e as “defesas mágicas”, como os amuletos e muyraquitãs, muito comuns em algumas regiões do país.




Fonte:
http://www.clickideia.com.br/portal/conteudos/c/36/23600

Casos eternamente de Minas


por Frederico do Valle

Casos de Minas, de Olavo Romano, é um dos livros que guardo na cabeceira da memória...  Adquiri um exemplar em 1987, época em que o cheiro da terra já brotava em mim. 

Contador de "causos" incorrigível, Olavo em seu livro, surge na nossa frente com aquela desenvoltura natural e nos transporta para o interior de Minas, lugar que conhecemos bem. Terra onde tudo cabe. O café com broa, a conversa fiada ao redor do fogão, o calor humano de gente antiga...

Conheci pessoalmente o Olavo durante o Projeto Sempre Um Papo em Juiz de Fora, onde entoei a Folia de Reis "Ribeirão Encheu", ouvimos Seu Antônio e Olavo contar suas estórias, estórias de todos nós. Bem, é isso que acho deste livro, um livro de todos nós, porque nos sentimos pertencentes a este cenário, a esta vida e seus casos...

O Inquérito de Monteiro Lobato sobre o Sacy-Pererê


por Gilberto Cruvinel


"O Sacy-Pererê: Resultado de um Inquérito" é o primeiro livro do escritor Monteiro Lobato, publicado em 1918, a partir de uma série de depoimentos reunidos pelo autor e publicados no jornal "O Estado de S.Paulo" sob o título: "Mitologia Brasílica – Inquérito sobre o Saci-Pererê". Este material depois se converteu no primeiro livro a tratar da crença no Saci, um dos personagens mais conhecidos do folclore brasileiro. Lobato, porém, não assinou a obra como autor, considerando que seu papel havia sido de editor dos textos enviados. Esse trabalho estendeu-se ao público infanto-juvenil, com a publicação, em 1921, do livro "O Saci", inscrito no universo do "Sítio do Picapau Amarelo".

Leia e aprecie AQUI a versão digitalizada do livro  "Sacy-Pererê: Resultado de um Inquérito" de Monteiro Lobato.

 A pesquisadora Míriam Stella Blonski revela em sua  tese " SACI, DE MONTEIRO LOBATO: UM MITO NACIONALISTA"  que o inquérito de Monteiro Lobato, que obteve grande repercussão na época, foi constituído de vários depoimentos, reunidos pelo escritor em livro com cerca de 300 páginas e tiragem inicial de dois mil exemplares. Segundo Blonski, " ao resgatar o mito do Saci-Pererê, Monteiro Lobato o cerca de características brasileiras, utilizando não apenas suas próprias pesquisas, mas os depoimentos que obteve por ocasião do inquérito realizado através do jornal O Estado de São Paulo. Nesse momento, preocupado com o nosso desenraizamento cultural, resgata para o povo urbano a sua consciência original, que se encontrava enfraquecida em decorrência da grande infiltração das idéias européias."

Saci, de Monteiro Lobato: Um Mito Nacionalista
Míriam Stella Blonski
Mestre em Letras: Estudos Literários (Área de concentração: Literatura Brasileira) pela UFMG.

Monteiro Lobato foi um sonhador. Sonhou um Brasil progressista, transformador das realidades adversas que assolavam o País, como a doença e a verminose, a miséria econômica, especialmente entre as populações rurais. Empunhando suas grandes armas que eram o entusiasmo e a palavra, lança-se também em campanhas em prol do ferro e do petróleo nacionais, capazes, na opinião do escritor, de proporcionar aos brasileiros o progresso material de que necessitavam para vencerem os seus problemas. Acreditava ele, também, que era necessário descobrir e conquistar aquilo que constituía o cerne do povo, sua força, sua razão maior: a sua brasilidade. Essa brasilidade podia ser traduzida, entre outras idéias, pelo rompimento com as influências estrangeiras, principalmente européias, e pela busca de autenticidade e pureza nas manifestações do povo. Segundo Lobato, era preciso acordar os brasileiros, demovê-los da prática nociva de camuflar os problemas do país, de enfeitar a desgraça, levando-os às atitudes positivas de buscar e praticar tentativas de solução para esses mesmos problemas.

O pioneirismo de Monteiro Lobato o fez privilegiar o Saci-Pererê como símbolo do espírito nacional, uma espécie de produto da fantasia imaginativa das três raças formadoras do povo brasileiro, importante mito da Cultura Popular e do Folclore.

O Saci inscreve-se num tema que pertence às raízes e ao patrimônio cultural do Brasil. Sua função é, principalmente, contribuir para a preservação da cultura brasileira.

Ao resgatar o mito do Saci-Pererê, Monteiro Lobato o cerca de características brasileiras, utilizando não apenas suas próprias pesquisas, mas os depoimentos que obteve por ocasião do inquérito realizado através do jornal O Estado de São Paulo. Nesse momento, preocupado com o nosso desenraizamento cultural, resgata para o povo urbano a sua consciência original, que se encontrava enfraquecida em decorrência da grande infiltração das idéias européias.

O ano de 1917, em que Lobato realiza o inquérito sobre o Saci, que recebeu o nome de “Mitologia Brasílica – Inquérito sobre o Saci-Pererê”, apresenta-nos um quadro de crescimento das cidades, de industrialização ascendente, fazendo surgir categorias profissionais típicas das zonas urbanas, como operários, profissionais liberais, militares, etc. provocando, cada vez mais, o afastamento das atenções, do cenário rural. Fazendeiros, colonos e sitiantes dirigiam-se para a cidade, em busca de oportunidades de trabalho. Enquanto isso, esquecido e isolado nos rincões do país, permanecia um tipo rústico, até certo ponto puro, que não se deixava contaminar pelas influências da vida urbana: o caboclo. Em sua autenticidade, mantinha-se fiel à cultura caipira, cujos ensinamentos lhe foram legados através dos seus ancestrais, e que ele continuava praticando e transmitindo aos filhos. Como parte da sua cultura podemos citar as crendices, as superstições, os mitos nos quais ele acreditava, e entre eles, o Saci-Pererê.

O cenário acima descrito propicia o fortalecimento, nas letras e nas artes, de um sertanismo nostálgico, que focaliza a vida rural como modelo idealizado de sociedade a ser preservado. Lobato não se mantém alheio a essa tendência, e concentra sua atenção no caboclo,  personalizado pela figura do Jeca Tatu. Se, anteriormente, o escritor o descrevera como “selvagem, arredio, desconfiado, piolho da terra, parasita funesto, preguiçoso e maligno, inadaptável à civilização”, agora ele refaz sua opinião, passando a elogiar as qualidades do caboclo, tornando-se, dessa forma, seu aliado.
O inquérito de Monteiro Lobato, que obteve grande repercussão na época, foi constituído de vários depoimentos, reunidos pelo escritor em livro com cerca de 300 páginas e tiragem inicial de dois mil exemplares.

A capa do livro é vermelha, simbolicamente da cor do sangue, do fogo, e também do amor. Segundo o Dicionário de Símbolos, é a cor de Dioniso1 . Dioniso e também o demônio são representados comumente com chifres, símbolo da força e do poder. Provavelmente por essa razão, José Washt Rodrigues, autor do desenho do Saci que nela aparece, optou por apresentá-lo com essa característica: chifres curvos. Na cabeça tem o gorro vermelho, olhos também vermelhos e a boca apresentando dentes serrilhados, ponteagudos, vampirescos, numa alusão provável ao hábito do Saci de sugar o sangue dos cavalos. Sua expressão pode ser interpretada como irônica, zombeteira, e até um pouco maléfica. Tem o corpo de adulto, com uma perna só. Os dedos dos pés são apresentados abertos, mais animalescos do que humanos. Também podem ter sido apresentados dessa forma pelo hábito de andar sempre descalço e por longas caminhadas, o que deforma os dedos, engrossando-os e aumentando o espaço de um para o outro. Numa das mãos carrega uma espécie de pau, uma possível arma com que desfere bordoadas tanto em pessoas como em animais. Na outra mão, prende o costumeiro cachimbo aceso, fumegante. Ao seu redor folhas e traços que dão a impressão de movimento circular, como nos rodamoinhos, e também simbolizando o corpo em movimento. Esse desenho é coerente não apenas com as descrições dos relatos sobre o Saci, que constam nos depoimentos do corpo do livro, mas também remete-nos novamente à mitologia, tanto com Dioniso como também com faunos e com Pã.  

Lobato faz duas dedicatórias na abertura do livro. A primeira delas, em tom de sarcasmo, é para o “Bar Trianon”, local onde se reunia, em São Paulo, a elite do Estado, que absorvia a cultura européia, sem sequer cogitar em levar em consideração e muito menos praticar as variadas formas das riquezas culturais brasileiras. Esta primeira dedicatória reflete bem a intenção inicial de Lobato com o Inquérito, ou seja, combater a invasão do “francesismo” e de tudo o que descaracterizasse o elemento nacional. A segunda, num tom carinhoso, reconhecido e saudoso, é para a tia Esméria, e “de quanta preta velha nos pôs, em criança, de cabelos arrepiados com histórias de cucas, sacis e lobisomens...” 

Tia Esméria foi empregada na fazenda do pai do escritor, e freqüentemente contava histórias para a criançada, nas quais as personagens folclóricas eram presença obrigatória. Também aqui o escritor reforça seu combate, criticando o novo costume da sociedade, de entregar o cuidado dos seus filhos às governantas, muito bem pagas, denominadas por ele de “lambisgóias de touca branca, numa algaravia teuto-itálico-nipônica”. A função dessas governantas era, também, educar as  crianças, “civilizá-las” conforme os costumes e cultura estrangeiros, daí a revolta de Lobato.

As inúmeras cartas recebidas vieram de todo o país, mas principalmente de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os missivistas eram pessoas que residiam tanto na zona rural quanto na zona urbana, alguns demonstrando cultura e erudição, outros se expressando de maneira simples, às vezes com o linguajar próprio do caboclo, eivado de expressões peculiares, fornecendo dados e descrições do Saci. 

Também houve a participação de negros ex-escravos e mesmo de seus descendentes. Até depoimentos de colonos italianos foram recebidos, o que comprova, em primeira análise, o conhecimento do assunto e a penetração do tema em várias camadas sociais, permanecendo vivo na lembrança das pessoas. Com os depoimentos ficou provado que as figuras míticas impregnam o imaginário do povo, especialmente dos habitantes de cidades do interior e da zona rural, mas também vivem entre os habitantes urbanos, fazendo parte de sua história de vida.

A publicação do livro representou uma espécie de depoimento-denúncia de  reafirmação da sua luta nacionalista, que se serviu, nesse caso, dos relatos dos depoimentos para estimular o nascimento de uma consciência nacional, ao mesmo tempo em que alertava para que se prestasse mais atenção no caboclo, desconhecido das populações citadinas e litorâneas, e na legitimidade do Saci-Pererê como representante significativo dos mitos, no Brasil.

O caboclo foi destacado por Lobato através da personagem Jeca-Tatu, uma espécie de símbolo do brasileiro, imagem do povo do interior. É preciso conhecer o povo, para melhor educá-lo. Quando ele se revela através de suas manifestações culturais, e entre elas as superstições, as lendas como a do Saci, está fornecendo elementos que possibilitarão idéias e estratégias para uma ação educativa que parta das suas reais condições e necessidades. O Jeca Tatu é seu representante autêntico, imune às influências que não sejam as dos seus pares e as do ambiente em que vive. Quando a tristeza lhe corrói a alma, toma o violão e entoa as canções que o sentimento lhe dita. Tem a natureza, a mata e a simplicidade como suas companheiras. Identifica-se com elas, compreende-as, interpreta-as. Ao cair da noite, quando o silêncio impera, se o caboclo ouve um ruído que não identifica, logo lhe vem a suspeita de que se trata de algo acima de sua compreensão. Nesse momento fala o medo, fala o sobrenatural: “É o Saci!” E o seu olhar percorre o ambiente à procura da cruz, presa no batente da porta.

A importância do Inquérito sobre o Saci, realizado por Monteiro Lobato, é atestada por vários escritores e estudiosos em geral. Entre eles, pode-se mencionar o antropólogo e folclorista Luís da Câmara Cascudo, que assim se expressa:

Quando se fala no Saci sabe-se do “inquérito” que Monteiro Lobato dirigiu e que resultados extensos denunciou para a existência fantástica do duende negrinho.

Com o Sacy-Pererê – resultado de um inquérito, Lobato apresentou aos brasileiros um mito com características ora demoníacas, ora cruéis, perpassadas por manifestações de ironia, de deboche e até mesmo laivos de bondade. Um perfil bastante variado, e, até certo ponto, controverso, que lhe fora apresentado nas diversas correspondências recebidas. Embora esse livro não tenha sido reeditado pelo escritor, o tema se manteve presente no seu pensamento. Anos mais tarde ele volta ao assunto, desta vez na sua obra infantil. Era necessário incentivar nos jovens o entusiasmo e a dedicação às causas brasileiras e ao País, o culto pelas origens e o amor pela terra, com destaque para a vida na zona rural, no campo, tão importante quanto a vida urbana. Desta forma, destacava-se também o homem que lá vivia, o caboclo, em continuidade às idéias defendidas anteriormente. No interior agreste habitava a lenda, a fantasia, o maravilhoso, a mula-sem-cabeça, e onde, às sextas-feiras de noite escura, podia surgir das trevas o lobisomem. Podia aparecer, ainda, cortando o vento e à garupa de um cavalo, o Saci-Pererê, iluminando a noite com seu capuz vermelho e com a brasa acesa do seu cachimbo.

Monteiro Lobato, no livro O Saci, publicado pela primeira vez em 1921, recria a personagem, suavizando-a. O nosso herói aparece, agora, com estatura de criança e atitudes brincalhonas, travessas. Suas peripécias são vividas no Sítio do Picapau Amarelo. A história é dividida em vinte e oito capítulos e narra desde a chegada de Pedrinho ao sítio, para passar as férias, seu encontro e aventuras com o Saci, até o encantamento de Narizinho, convertida em pedra pela Cuca, e o seu posterior desencantamento. Todos os episódios são mesclados pelo surgir de outros mitos folclóricos, acompanhados da respectiva explicação, muitas vezes pormenorizada pelo próprio Saci, que ocupa o papel de regente principal dos acontecimentos. Este papel o coloca na posição de herói, de certa forma reabilitando-o de ações maléficas que os depoimentos do Inquérito lhe atribuíam, e mesmo das pequenas diabruras que fazia. Monteiro Lobato, desta forma, lembra-nos a dualidade bem/mal existente nas criaturas, bem como a possibilidade da retratação do mal através dos atos generosos, das boas ações. Coloca o Saci, inclusive, numa categoria privilegiada entre os mitos no Brasil. Justifica-se, assim, não apenas sua curiosidade ligada às memórias da infância, mas também o interesse do adulto estudioso e pesquisador.

O processo de suavização da imagem do Saci-Pererê é iniciado por Monteiro Lobato não apenas na síntese da descrição do moleque, que acontece no livro O Sacy-Pererê – resultado de um inquérito, mas também no desenho a nanquim que ele faz, e que retrata o capetinha numa versão de criança, sem chifres, sem o porrete e com expressão observadora, desconfiada. Não tem mais aquela aparência cruel ou ameaçadora. O pitinho permanece, e os pés adquirem o formato humano. Essa modificação deveu-se, provavelmente, ao fato de que o livro O Saci é destinado, prioritariamente, para crianças, e o autor não tinha intenção de atemorizá-las. 

Além de recriar a personagem, Monteiro Lobato descreve-a, servindo-se do negro velho, Tio Barnabé, personagem do Sítio do Picapau Amarelo, conhecedor dos mistérios que cercam o homem rural. Tio Barnabé assim fala do Saci:

O Saci – começou ele – é um diabinho de uma perna só que anda solto pelo mundo, armando reinações de toda sorte e atropelando quanta criatura existe ... Azeda o leite, quebra a ponta das agulhas, esconde as tesourinhas de unha, embaraça os novelos de linha, faz o dedal das costureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão que está no fogo, gora os ovos das ninhadas. 

Quando encontra um prego, vira ele de ponta pra riba para que espete o pé do primeiro que passa. Tudo que numa casa acontece de ruim é sempre arte do Saci. Não contente com isso, também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto, chupando o sangue deles. O Saci não faz maldade grande, mas não há maldade pequenina que não faça.

E segue sua narrativa, comentando o poder da carapuça vermelha, do hábito do cachimbo, das mãos furadas por onde passam pequenas brasas e ainda da peça que pregou no moleque, quando colocou pólvora dentro do próprio cachimbo, que o Saci gostava de usar. Ao começar o estouro foi uma risada só, e o Saci saiu correndo para não voltar por muito tempo. Falou da maldade que é feita na crina dos cavalos e do costume vampiresco de sugar o sangue dos pobres animais. Para evitar isso, usa-se colocar um “bentinho” no pescoço dos mesmos, protegendo-os. Convém explicitar que os bentinhos são escapulários que contêm gravuras de santos, pedaços de tecidos ou orações com o poder de proteção. Têm esse nome porque se benze para dar virtude. É comum encontrar escapulários no pescoço de crianças e mesmo de adultos da zona rural, ou mesmo em carteiras de dinheiro, costuradas a roupas, etc.

O objetivo de valorização da cultura nacional, que era uma constante em Monteiro Lobato, bem como o seu estudo sobre as personagens do folclore no Brasil, levaram-no a incluir no conto O Saci outras figuras do folclore, de conformidade com um dos aspectos de sua obra infantil: o caráter educativo. Aparecem, então, o Jurupari, o Curupira, a Iara, o Caipora, a Porca-dos-sete-leitões, o Negrinho do Pastoreio, a Cuca, o Boitatá, a mula-sem-cabeça e o Lobisomem.2

Lobato, ao destacar o Saci-Pererê e o Jeca Tatu, busca sugerir uma nova mentalidade nacional, e concentra seus esforços na literatura para crianças e jovens, cuja personalidade e caráter encontram-se em formação, e que pelo conhecimento mais apurado do povo e de seus costumes, poderia, mais tarde, elaborar projetos destinados à modernização e desenvolvimento do Brasil, calcados em bases nacionais e populares. Esta modernização traz implícita a característica do dinamismo, entendido como capacidade de adaptação e criação de novos valores e novos padrões culturais, para conviverem com novos tempos e situações.

Monteiro Lobato não fez apenas um registro da tradição oral mas, através do Saci, estabeleceu uma ponte entre o mundo da razão e as superstições e costumes próprios do povo, convidando-nos a uma reflexão sobre os elementos de resgate desse mito brasileiro, bem nacional. Procurar conhecer nossas lendas, mitos e costumes é uma forma de caminharmos para a independência cultural, ao invés de copiar e absorver passivamente os valores estrangeiros. Ao mesmo tempo é compreender que o Brasil possui elementos culturais próprios que, da mesma forma que nos individualizam, ligam-nos a todos os povos e países do mundo. Por outro lado, conhecer o povo é adquirir condições e criar formas de educá-lo. É possibilitar sua projeção para o futuro.

Monteiro Lobato, com o Jeca Tatu, o Saci-Pererê e exemplos da Cultura Popular e do Folclore, pretendeu acordar o povo brasileiro do seu estado de inércia, de inoperância, incitando-o à luta, a que ele próprio se entregou durante toda a sua vida. Uma luta em favor do “ressurgimento brasileiro de todos nós”. Seu combate legou à posteridade o exemplo de um homem que amou o Brasil como poucos, batalhando por sua terra e seu povo, legando aos brasileiros o tesouro de sua produção literária. Mostrou a todos o Saci-Pererê, que segundo as palavras do próprio escritor, é “pano de amostra, revelador de que esta terra tem uma alma”.

Notas                                                                                                                                                                                                                                                    
1. CHEVALIER, Jean;  GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 2. ed. Trad. Vera da Costa e Silva et. alii. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1990, p. 945. Dioniso (Baco), deus do vinho, era filho de Júpiter e de Sêmele. Não representava apenas o poder embriagador do vinho, mas também suas influências benéficas e sociais, de maneira que era tido como o promotor da civilização, legislador e amante da paz.

2. Informações sobre as personagens folclóricas podem ser encontradas, em sua maioria, em Luís da Câmara Cascudo, nos livros: Dicionário do Folclore Brasileiro e Geografia dos Mitos Brasileiros.

Referências Bibliográficas

CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 7. ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda, 1988.

CASCUDO, Luis da Câmara. Geografia dos Mitos Brasileiros. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1983.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 2ª ed. Trad. Vera da Costa e Silva et alii. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1990.

LOBATO, José Bento Monteiro. Urupês. 11. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 196.

LOBATO, José Bento Monteiro. O Sacy-Pererê – resultado de um inquérito. Edição fac-similar. Rio de Janeiro: Gráfica J. B. S/A, 1998.

LOBATO, José Bento Monteiro. O Saci. São Paulo: Editora Brasiliense, 1973.NUNES, Cassiano. O sonho brasileiro de Lobato. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora Ltda, 1979.




Fonte:
https://jornalggn.com.br/blog/gilberto-cruvinel/o-inquerito-de-monteiro-lobato-sobre-o-sacy-perere