Segue belíssimo texto de Luís da Câmara Cascudo extraído de seu livro Made in Africa.
...
Banana é o mais
popular dos vocábulos africanos no Brasil.
À popularidade
verbal corresponde o consumo diário. Banana é a fruta preferida, indispensável
para o paladar brasileiro, inarredável sua presença cotidiana na alimentação
trivial. Sua ausência é inconcebível.
Na linguagem
vulgar tem significações incontáveis, ápodos, gestos, obscenidades. Representa
o homem apático, moleirão, despersonalizado. Um banana.
Possuímos duas,
de uso secular. A brasileira, nativa, participando do passadio ameraba, e a
outra, trazida pelos portugueses, meados do século XVI. A primeira, Pacova. A
segunda, Banana. Pacova,
pacoba, pac-oba, a folha de enrolar ou que se enrola. Nome comum das
Musáceas. Alteração para Pacó: Pará, Amazonas, segundo Teodoro Sampaio.
J. M. Dalziel (The
Useful Plants of West Tropical Africa, Londres, 1937) crê banana originar-se
nos idiomas do oeste africano; a bana, plural de e bana, do
timé; bana, plural de mbana, do sherbo. Timé fala-se no
Estado de Samori, Costa do Marfim, compreendendo também mandingas e bambaras.
Sherbo, cherbro, diz-se na ilha do mesmo nome, adjacente à Serra Leoa. Ambas na
África Ocidental. A banana não é nativa do continente negro e sim recebida da
Índia através da África Oriental ou pelo Sudão, descida do Egito e vinda pelos
caminhos do Niger e do Zaire para as demais regiões do Camerum à União
Africana. E passando da Contracosta ao Atlântico, pelas Rodésias para Angola,
quando a Guiné a teria pelas vidas das populações ao longo dos grandes rios do
oeste negro.
Em 1563 essas
musáceas eram conhecidas na Guiné com o nome de bananas, denominação
que ficou restrita à orla ocidental africana.
O grande
entreposto entre Congo e Portugal era a ilha de São Tomé, de onde governo e
socorro muitos anos dependeram. O marinheiro Gonçalo Pires, que estivera em São
Tomé, dezembro de 1506, descreveu a Valentim Fernandes uma árvore
original: E he assi amarella como codea de melão e assi daquella feyção de
talhada de melão, e he tão doce como assucar e ha detro maciço e como cousa
coelhada. Chamou-a Aualaneyras, avelaneira, trocando o V pelo B. Ficalho
supõe sementes trazidas da Índia e plantadas na ilha pelos portugueses. Viessem
da costa africana, Congo, Guiné, certamente trariam o nome de bananas, como
a conheciam naquela região.
No quimbundo,
em Angola, banana é mahonjo. O nome nos veio da Guiné. A presença de
outros idiomas africanos não predominou para a popularidade denominadora. Ficou
sendo “Banana”, essencialmente no Brasil. Daqui é que o nome se espalhou e não
da África do século XVI.
Gabriel Soares
de Sousa, chegando à Bahia em 1569, encontra bananeiras idas da ilha de São
Tomé competindo com as pacovas nativas: “As bananeiras têm árvores, folhas e
criação como as pacobeiras, e não há nas árvores de umas às outras nenhuma
diferença, as quais foram ao Brasil de São Tomé, aonde ao seu fruto
chamam bananas e na Índia chamam a estes figos de hora, as
quais são mais curtas que as pacobas, mas mais frossas e de três quinas; têm a
casca da mesma cor e frossura da das pacobas, e o miolo mais mole e cheiram
melhor como são de vez, as quais arregoa a casca como vão madurecendo e fazendo
algumas fendas ao alto, o que fazem na árvore; e não são tão sadias como as
pacobas. Os negros da Guiné são mais afeiçoados a estas bananas que às pacobas,
e delas usam nas suas roças; e umas e outras se querem plantadas em vales perto
d’água, ou ao menos em terra que seja muito úmida para se darem bem e também se
dão em terras secas e de areia; quem cortar atravessadas as pacovas ou bananas,
ver-lhes-á no meio uma feição de crucifixo, sobre o que contemplativos têm muito
que dizer.”
Os escravos
negros preferiam naturalmente as bananas de sua terra e não as pacovas, ácidas
pelo tanino. Plantavam regularmente bananais.
Pero de
Magalhães Gandavo, nessa época, informava: “Tambem ha huma fruita que lhe
chamão Bananas, e pela lingua dos indios Pacovas: ha na terra muita abundancia
dellas… E assadas maduras são muito sadias e mandão-se dar aos enfermos. Com
esta fruita se mantem a maior parte dos escravos desta terra, porque assadas
verdes passão por mantimentos.” Referia-se às Pacovas que eram comidas assadas
ou cozinhadas, comumente, e não cruas como as bananas posteriormente vindas.
Aquelas, cozidas, podem “suprir a falta do pão”, escrevia Lacerda e Almeida em
1788 no Mato Grosso.
O nome banana só
poderia ter ido d’África Ocidental onde assim a denominavam. Noutras paragens
eram diversos e esses não atingiram o Brasil.
Fernão Cardim,
vindo para a Bahia em maio de 1583, estuda a Pacoba, denominação no
idioma da terra. Cita-a como “figueira de Adão”: “… Assadas são gostosas e
sadias. He fruta ordinaria de que as horas estão cheias, e são tantas que he
huma fartura, e dão-se todo o ano”.
Não atino com
outro roteiro para a viagem da banana. Índia-África-Brasil.
A pacova, pacoba,
“banana-da-terra”, nativa do Brasil para von Martius e Sain-Hilaire, é a Musa
paradisiaca. A que recebemos no século XVI é Musa sapientum. Em
volta dessa classificação há uma biblioteca concordante e discordante. Nesses
assuntos, ni quito ni pongo rei.
Johenn Gregor
Aldenburgk, na Bahia de 1624, informava e distinguia: “Um cacho de bananas é
carga bastante para uma pessoa; parecem com pepinos, são de cor amarela, doces
e de agradável sabor; as curtas e grossas são chamadas bananas, e as curvas,
compridas e pontudas, pacovas.” Zacharias Wagener, vivendo no Recife, de 1634 a
1641, descreveu “bananas”, dizendo-as “pacobas” (Zoobiblion, São Paulo,
1964).
No Brasil há o
registro de Gandavo, à volta de 1570: “…a qual he que quando as cortão pelo
meio com huma faca ou por qualquer parte que seja acha-se nellas hum signal à maneira
de Crucifixo, e assi totalmente o parecem.” Gabriel Soares de Sousa escrevera,
igualmente afirmante. Frei Antônio do Rosário (Frutas do Brasil numa nova e
ascética monarquia, Lisboa, 1702) não esquecera: “As frutas dos
carpinteiros serão as bananas, porque cortadas com uma faca mostram no miolo a
efígie de um crucifixo, para lembrança da simpatia de Cristo com o lenho da
cruz, no ofício de carpinteiro.”
John Luccock,
no Rio de Janeiro de 1808, ainda menciona: “Não há bom católico, neste país,
que corte uma banana transversalmente, porque seu miolo apresenta a figura de
uma cruz” (Notas sobre o Rio de Janeiro). A generalização corria por conta da
fatuidade britânica e luterana do tempo.
A convergência
temática da banana ao membro viril é outra presença várias vezes centenária e
que o conde de Ficalho anotou. Vendo-a, Eva seria seduzida pela semelhança
fálica: “quum fructus refert membrum virile, cujus adspectu Eva in effrenam
illam cupiditatem instigata fuit” (Rumphius).
A IMAGEM CONTINUA POPULAR NO BRASIL
Há o gesto
obsceno de dar bananas. É tradicional em Portugal, Espanha, Itália,
França, com significação idêntica, intencionalmente itifálica.
Bate-se com a
mão no sangradouro do outro braço, curvando e elevando este, com a mão fechada.
O antebraço, oscilante, figura o falos. Noutra modalidade, põem o antebraço na
curva interna do outro. O festo nos veio de Portugal onde o denominam manguito,
dar manguitos, apresentar as armas de São Francisco. Na Itália é o far
manichetto e na Espanha hacer um corte de mangas (Hermann
Urtel, Beiträge zur portugiesichen Volkskunde, Hamburgo, 1928). No
Brasil é que tomou o nome de “bananas”. Nenhuma outra fruta permitiria a
inevitável associação morfológica.
Garcia da Orta
elogiava os figos “deitados em vinho com canela per cima… frege os em
açucare até que estejam bem torrados, e com canela per cima sabem muyto bem…
Levam os pera Portugal per matalotagem; e comem os com açucare, e pera o mar he
bom comer.”
No Brasil houve
sempre gabos. Jean de Léry dizia a pacoère mais doce e saborosa que
os melhores figos de Marselha. “Deve portanto a pacova figurar entre as frutas
melhores e mais lindas do Brasil” (1557-1558). O Dr. Piso, nos anos de 1637-44
que viveu em Pernambuco, estudou a “Pacoeira e Bananeira” (História Natural e
Médica da Índia Ocidental, XXI, Amsterdã, 1658), deliciando-se em
saboreá-las “fritas com ovos e açúcar, ou cozidas em bolos como tortas”. “Secas
ao sol e ao fogo, conservam-se por muito tempo e são importadas pela Europa,
onde são vendidas”. Os indígenas faziam um vinho fermentado, embriagador. As
pacovas eram assadas ou cozidas e as bananas prestavam-se ao nenhum trabalho
porque comiam-nas logo na colheita quando maduras. Max-Schmidt (1900-1901)
considerava superior uma sopa de bananas feitas pelos Guatós no Alto Paraguai,
Mato Grosso. Otto Zerries cita uma sopa de bananas, contemporânea, na aldeia de
Mahekodotedi, Waika do alto Orinoco, grupo de cultura primária, e que usa a
sopa de bananas, também veículo para a absorção das cinzas dos parentes
defuntos, no curso de cerimônias noturnas e tenebrosas.
Para o povo a
bananeira é cercada de mistérios e poderosa em superstições. Ensina-me o Prof.
Cândido de Melo Leitão, anotando Henry Waltes Bates, tratar-se realmente
de gigantesca erva. Não é árvore nem parece com outra qualquer espécie.
Frei João
Pacheco (Divertimento erudito, Lisboa, 1734) informa: “quando o cacho quer
brotar a fruta (e tem cada uma delas 40, 50 e mais bananas) dá gemidos, como
mulher que quer parir. Na Bahia há opinião que é fruta proibida por Deus a
Adão.” Essa ciência circulava também nos países do Prata. Na
Argentina, Juan B. Ambrosetti (Supersticiones y Leyendas, Buenos Aires,
1947) semelhantemente registrou: “La higuera y el banano tienen póra, es
decir, se cree que en ellos hay como incrustada una especie de alma o fantasma,
que de vez em cuando produce quejidos; para os oírlos se prefiere tener estas
especies lejos de las casas.”
A bananeira que
não dá frutos deve ser abraçada por um homem. Enterrando-se uma faca virgem na
bananeira, na véspera da noite de São João, 23 para 24 de junho, pela manhã o
tanino desenhará na lâmina o nome do futuro esposo ou esposa.
A bananeira, na
sua presença nas aldeias indígenas, determinou um índice de aculturação e
proximidade no plano da interdependência social. Os grupos humanos sem
bananeiras denunciam isolamento, primarismo, marcha inicial. Nem mesmo os
técnicos falam nas pacovas mas citam sempre as bananeiras vindas da África, diretas
ou via São Tomé, favoritas do apetite escravo que não suportava suficientemente
as paradisíacas amerabas. Demonstram um adiantamento aquisitivo na
cultura ambiente.
Quando, em
1858, chegou ao Rio de Janeiro o poeta português Faustino Xavier de Novais
(1820-1869), Casemiro de Abreu saudou-o, eufórico, citando as bananeiras como
ornamento tradicional brasileiro, não palmeira, caju ou pau-brasil.
Bem-vindo,
bem-vindo sejas
a estas praias
brasileiras!
Na pátria das
bananeiras
as glórias não
são de mais;
bem-vindo, ó
filho do Douro!
à terra das harmonias;
que tem
Magalhães e Dias,
bem pode saudar Novais!
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