
"E o fogão a lenha dentro de uma cozinha é um simbolo cultural, tanto nas casas mais simples como nas mais suntuosas" - O fogão a lenha, por Olivier Anquier
A PROLENHA como uma ONG dedicada ao tema da bioenergia e desenvolvimento, e com prioridade na energia da madeira e na promoção de fogões eco-eficientes, observou a relevante relação cultural entre os mineiros e os fogões a lenha. Neste contexto tomamos a iniciativa para promover o processo de patrimonização do fogão a lenha como um bem cultural imaterial de Minas Gerais.
JUSTIFICATIVA DESTA INICIATIVA
Minas Gerais é nacionalmente conhecido pela sua culinária tradicional, especialmente a feita em fogão a lenha. O fogão que faz parte da cultura e tradição do povo mineiro, e que tem como ponto de encontro as cozinhas, em torno de uma grande mesa de “quitandas” feitas neste fogão a lenha. E é dessa forma, simples e aconchegante, que o mineiro recebe suas visitas em casa.
Mineiros, principalmente os nascidos e criados nas cidades do interior e fazendas do estado, tem lembranças de suas infâncias passadas em casas com cozinhas movidas a fogões a lenha. E mesmo hoje, principalmente no interior do estado, e até mesmo nas grandes cidades, esta peça é de fundamental importância para um milhão de famílias mineiras, mesmo já possuindo um fogão a gás.
"Final de semana na casa dos avós, lá no interior. Todos acordam bem cedo, junto com o galo dono do galinheiro. O Cheiro é de café novo, fumaça de lenha e prosa. Ainda é frio e o lugar mais aconchegante está logo alí na cozinha. No canto da parede as brasas já brilham o vermelho do fogo. No varal logo acima, alguns espirais de laranja aromatizando o ambiente, linguiças embutidas e alguns queijos cabacinha defumando. Na chapa, pedaços generosos de queijo minas e um pinhão debulhando. As pessoas se juntam ao redor, os rostos vão ficando corados e alma se aquece. É o aconchego do fogão a lenha." Crônica Aconhego, de Camilo Durante de Assis, mineiro de Almenara. http://www.gourmetvirtual.com.br/cultura/aconchego-do-fogao-a-lenha
De fato, o consumo de lenha para cocção ainda é muito importante no estado, e representa 42% de toda a energia consumida para cocção a nível doméstico em Minas Gerais (1).
Nas grandes cidades, assim como no interior e pelas estradas de Minas, os restaurantes de comidas típicas comumente utilizam o slogan “comida feita no fogão a lenha”, como marketing, para atrair clientes. Igualmente, inúmeros comerciais de TV, gastronomia e turismo em Minas Gerais mencionam ou apresentam o fogão a lenha dentro do contexto da mensagem de mineiridade, como se pode ver em anexo Documentação multimídia que relaciona fogões a lenha a mineiridade, com as propagandas do programa Terra de Minas da Rede Globo Minas, Nestle, Itambé, entre outras.
"No Brasil e principalmente em Minas Gerais é provavelmente a unica região do mundo aonde as pessoas tem uma relação sentimental e cultural com os fogões a lenha, pois as pessoas tem prazer em possuir um fogão a lenha, e em convidar os amigos e parentes a visitar, comer e conviver ao redor de um deste fogões, e que muitas vezes são construídos de forma elaborada e decorativa, valorizando o ambiente da cozinha." Observação de Rogério C. Miranda. Pesquisador e consultor internacional em fogões a lenha eficientes.
Atualmente, os fogões a lenha tem ganhado o interesse de um outro público em Minas Gerais, proveniente das cidades e das classes médias e altas, instalados em áreas de lazer ou sítios de veraneio, porque consideram que o fogão a lenha exibe um charme de tradição do passado, e o aconchego de reunir família e amigos para uma comida ao redor de um fogão a lenha. Os fogões tradicionais construídos de forma bonita e elegante tem, inclusive, chamado a atenção de decoradores e arquitetos, integrando ambientes charmosos no interior das casas e apartamentos (espaços gourmet, churrasqueiras e coberturas), e sendo construídos para oferecer aconchego, estilo e conforto.
Fogões a lenha podem ser elaborados a partir dos mais diversos materiais, como estrutura de barro, alvenaria (tijolos ou cimento), ou até mesmo madeira e metal. Importante ressaltar que bem a objeto de ser patrimoniado não é o fogão em si ou o modo de fazê-lo, mas a tradição e cultura que se enraizou, ao longo do tempo, nas famílias mineiras: cozinhar com lenha, se entreter e vivenciar com amigos e família ao redor de um fogão a lenha.
"Alimentei o sonho de construir minha casa por 10 anos! A ideia sempre foi como a música: eu tenho uma casinha lá na Marambaia... E na casa tinha que ter um fogão a lenha.... E durante vários anos alimentei a ideia da casa com o fogãozinho a lenha vindo de Minas." Arquiteta Graça Gargantini, São Paulo. Extraído de depoimentos do site www.ecofogao.com
Este projeto visa dar ênfase à questão cultural do uso do fogão a lenha em todo o estado de Minas Gerais, mas também vale ressaltar outros aspectos da cultura do fogão a lenha que se beneficiarão com esta iniciativa, como os aspectos econômico, social e ambiental.
No aspecto econômico, centenas de restaurantes de comida mineira, espalhados pelo estado, alimentam diariamente, milhares de pessoas com comida de excelente qualidade servidas com o charme em fogões a lenha.
A instalação e renovação anual de fogões que operam no estado movimentam um forte comércio de acessórios de fogões. Inúmeras empresas de fundição e metalúrgicas da região de Itaúna e Cláudio produzem milhares de chapas, panelas de tripé, fornos e serpentinas de fogões a lenha, semanalmente, que são vendidos não só em Minas, mas exportados para outros estados. Igualmente, fabricantes de fogões a lenha sob encomenda, são fabricados por milhares de artesão por todo o estado.
"Da cozinha mineira exalam aroma de comida feita em tempo certo, arte, sensibilidade, culinária de esmerada simplicidade, aquele é o lugar da comunhão familiar onde o fogão a lenha mantem aquecidos o café e os causos do dia findo." Carlos Drummond de Andrade
Quanto ao aspecto social, muitos dos 22% dos domicílios mineiros que utilizam fogões a lenha, o fazem de forma diária, já que o fogão é o equipamento principal para cocção. Entretanto, milhares destas famílias, principalmente aquelas de menor nível sócio econômico, fazem o uso incorreto dos fogões, e/ou possuem fogões com tecnologia primitiva com alto consumo de lenha e poluição a nível doméstico. O estudo da Fundação Shell sobre o mercado brasileiro para fogões eficientes realizado em 2007 observou que a maioria dos fogões utilizados por estas famílias mineiras tem índices de poluição domésticos considerados moderados a intensos (2), o que muito afeta negativamente a saúde de mulheres e crianças, principalmente.
Dessa forma, além de contribuir para valorizar uma tradição mineira ao patrimoniar o fogão a lenha, queremos também chamar a atenção para a questão ambiental e de saúde, e o uso insustentável da lenha em fogões rudimentares. Com esta visão, esperamos induzir a sociedade mineira a modernizar o uso do fogão com novas tecnologias que reduzem de forma significativa o consumo da lenha, e mantém as emissões a nível doméstico dentro de parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde.
Adicionalmente, ao patrimoniar o fogão a lenha, se fortalece a economia mineira ao valorizar os restaurantes de comida mineira, pousadas rurais, e a comercialização de fogões a lenha com seus equipamentos e acessórios produzidos em Minas Gerais.
"Minas de muitos sabores. Chão de cimento queimado, fogão construído a partir de técnicas tradicionais, quando não feito a partir dos cupinzeiros que surgem nos pastos ou de latões embutidos nas grossas paredes de adobe. Linguiças ou carnes defumando, dependuradas. Chaminé ativa, fumaça subindo pelo céu, avisando com seu aroma típico da roça que há quitandas ou comidas de angu esperando os comensais." Monica Chaves Abdala (Extraído do Portal do Governo do Estado de Minas Gerais).
A proposta aqui não é o registro de um modelo de fogão ou da técnica para se construir, mas sim de todo um contexto cultural que se formou ao longo da história de Minas Gerais, em torno dos fogões a lenha e da culinária tradicional mineira. Nosso registro, indicado para o “Livro dos Saberes”, é para a tradição de se cozinhar no fogão a lenha, no estado de Minas Gerais: conhecimento e modo de fazer tão enraizado no cotidiano das comunidades.
Vantagens do fogão a lenha, principalmente no meio rural ou peri-urbano: facilidade de se obter a lenha de forma gratuita, aquecer as casas e reunir as famílias em torno dele, nos dias frios. Além do mais, segundo muitos, quando utilizado com panelas de ferro ou de pedra, ajuda a dar melhor sabor à comida.
Em famílias de baixo poder aquisitivo, geralmente aquelas que vivem no meio rural ou em áreas periféricas das cidades mineiras, o fogão a lenha é muitas vezes feito de forma rudimentar, somente com uns poucos tijolos alinhados, onde são colocadas umas barras de ferro que sustentam as panelas, por não haverem recursos para a compra de uma chapa de ferro fundido, e muito menos para instalarem uma chaminé. Infelizmente, estes rústicos fogões são um mal necessário a estas famílias carentes, pois são a forma mais barata para se cozinhar, entretanto por serem muito primitivos tecnologicamente, além de gastarem excessivamente a lenha, também poluem o ambiente doméstico ocasionando problemas de saúde, principalmente nas mulheres e crianças (3).
"No nosso primeiro café da manhã na pousada do Capão (Serro, Minas Gerais), bebemos sucos realmente frescos de caju, manga e abacaxi, comemos granola caseira, e esquentamos nossos sanduíches de pão com queijo na chapa de um fogão a lenha, fogões estes que são a alma e o coração de cada cozinha mineira." Citado por Lydia Walshin, blogueira Americana especializada em gastronomia. Traduzido do blog www.theperfectpantry.com/2009/11/brazil-food-kitchens-and-cooktops-recipe-chicken-with-ora-pro-nobis.html
Já em famílias de melhor poder aquisitivo em todo o estado, o fogão a lenha já assume o tradicional modelo do fogão mineiro, que basicamente é feito de alvenaria (tijolos revestidos de massa colorida tipo vermelha ou verde), onde se instala uma chapa de ferro fundido de 2 a 4 bocas (facilmente compradas nos depósitos de material de construção), e tem obrigatoriamente uma chaminé: geralmente feita de tijolos ou manilha de cerâmica. Em muitos destes fogões se instalam, também, fornos para assar (feitos em chapas metálicas ou ferro fundido), e até mesmo sistema de aquecimento de água quente com uma serpentina de tubo galvanizado ou de cobre.
Variações mais sofisticadas destes fogões podem ocorrer, por exemplo, em fogões feitos em estrutura de madeira (girau ou catre) como ocorre na região do Serro, ou fogões com revestimento com ladrilhos decorativos, ou até mesmo fogões fabricados industrialmente de ferro fundido, concreto ou em aço esmaltado.
Nas últimas décadas, em paralelo ao fenômeno de valorização da tradição rural brasileira, e principalmente em Minas Gerais, o fogão a lenha vem novamente ganhando espaço nas cozinhas da classe media, com as áreas de churrasqueira e espaços gourmet em casas urbanas, sítios, condomínios, e até mesmo em apartamentos de cobertura. Nestes espaços, o fogão a lenha vem sendo repaginado, com tecnologia mais moderna e integração estética ao projeto de decoração do espaço gourmet. Tudo isto para revitalizar a tradição mineira de receber familiares e amigos para um almoço ou jantar, especialmente feito neste fogão.
"Com tantos pratos deliciosos e com tanta diversidade, não é difícil entender porque a cozinha representa tanto para os mineiros. Ela é vista como o santuário da casa. É em torno do fogão a lenha que aconteciam os encontros familiares e as conversas fiadas ou importantes. Até hoje esse costume são preservados pela calma e tranquilidade mineira no momento das refeições, compostas por pratos apreciados em todo o Brasil, indicando que os galhos da frondosa árvore da culinária mineira, plantada ainda no século XVII pelas três etnias principais que formaram o povo brasileiro, cresceram de maneira forte por todo o território nacional." Renata de Britto Cavalieri em “Culinária Mineira: as raízes históricas da sua diversidade”
(1) 29º Balanço Energético do Estado de Minas Gerais, BEEMG, CEMIG 2014
(2) Equivalentes aos níveis 3 e 4 de poluição, numa escala de 1 a 5, sendo 5 o valor mais alto de poluição.
(3) Segundo a Organização Mundial de Saúde, no Brasil 10 mil pessoas morrem de forma prematura anualmente, em decorrência da exposição prolongada (vários anos) a poluição de fogões a lenha rudimentares.
(2) Equivalentes aos níveis 3 e 4 de poluição, numa escala de 1 a 5, sendo 5 o valor mais alto de poluição.
(3) Segundo a Organização Mundial de Saúde, no Brasil 10 mil pessoas morrem de forma prematura anualmente, em decorrência da exposição prolongada (vários anos) a poluição de fogões a lenha rudimentares.
Fonte: http://www.prolenha.org.br/projetos/fogao-a-lenha-patrimonio-cultural
Fonte da Figura: http://www.prolenha.org.br/projetos/fogao-a-lenha-patrimonio-cultural
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