sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Fogão à lenha, patrimônio cultural de Minas Gerais? (parte 2 - final)

 


INFORMAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O FOGÃO A LENHA EM MINAS GERAIS

Ainda que referências históricas sobre a tecnologia do fogão a lenha sejam incomuns, tem sido abundante a referência da histórica relação do fogão a lenha, da culinária e da tradição mineira de servir a família e amigos. É a cozinha que propicia o encontro da família e dos amigos, a cozinha é a alma e o coração do mineiro.

A enciclopédia livre Wikipedia (4)4, relata que “ a origem indígena do fogão a lenha no Brasil remota aos índios Timbiras e Tupi-Guaranis que chamavam ao fogão a lenha que utilizavam, de Tucuruba”. 

Segundo ainda a Wikipedia, “nesse artefato, fogo era feito em um buraco construído diretamente no chão, protegido por algumas pedras. Sobre essas pedras se assentavam as vasilhas de barro e cerâmica. Com o passar do tempo, esse fogão foi sendo modificado e, pelo sabor singular que deixa no alimento, passou também a ganhar espaço nas cozinhas das casas dos bandeirantes. Durante o período escravista, os fogões eram feitos em grandes tamanhos, para que fosse possível se cozinhar grandes quantidades de comida para abastecer as senzalas. Fogões menores eram destinados a elaboração de assados, pães bolos, pudins e compotas das casas dos senhores”.

Veríssimo & Bittar, (1999) citado por Campos et al (2007) “considerou que  a cozinha residencial do período colonial mostrava-se como uma verdadeira fábrica de alimentos,  para atender um imenso grupo de pessoas, desde a família patriarcal, agregados, empregados, os visitantes e até mesmo o contingente escravo. Segundo os autores, a cozinha era imensa e em algumas residências ocupava mais de um terço da área da casa. Nessa cozinha encontravam-se diversos utensílios de tamanhos e aplicações variadas como: gamelas, tachos, moringas, panelas de ferro, frascos, prateleiras e fogões a lenha, e que o chão da cozinha apresentava-se, ainda, em terra batida, forno e fogão eram de barro e não existia forro no teto”.

Novaes (2001) também citado por Campos et al (2007),relata que “as casas dos homens pobres e livres consistiam em pequenas choupanas com apenas um cômodo ou dois cômodos, onde se dormia, cozinhava e muitas vezes abrigava uma oficina. Dentre às panelas e o fogão à lenha, feito de pedra, estendiam-se esteiras ou armavam-se redes à noite. Para se ter uma ideia da cozinha no início do século XIX, Mawe apud Novaes (2001, p. 100) descreve [...] um compartimento imundo, com o chão lamacento, desnivelado, cheio de poças d’água onde pousam as panelas de barro, em que cozinhavam carne. O lugar fica cheio de fumaça que, por falta de chaminé deixa tudo enegrecido de fuligem.”

Segundo o historiador da UFMG professor José Newton Meneses (5), o fogão era considerado o centro do lar. Haja vista a palavra Lar que vem de lareira. Durante o período da escravatura, o fato de ter um fogão era interpretado como uma verdadeira independência, pois a emancipação do homem se dava pelo fogo, aquele que tinha seu fogo/fogão era um homem livre, com individualidade, pois quem tinha o fogo era capaz de sobreviver. E no censo antigo, um dado importante sobre o número de casas era o número de fogões existentes na comunidade.

Na verdade, o fogão a lenha mineiro, como hoje o conhecemos, é resultado da evolução de uma das tecnologias mais antigas da humanidade. O homem primitivo descobriu o fogo, e pouco tempo depois criou o primeiro conceito de um fogão, simplesmente colocando três pedras ao redor deste fogo, que sustentam um vasilhame para a cocção dos alimentos. Este modelo de fogão, ainda muito utilizado em todo o mundo, principalmente nos países menos desenvolvidos, evoluiu no Brasil para um sistema um pouco mais eficiente onde se guarda o calor envolvendo todo o fogo com barro ou terra de cupim. Segundo Nunes e Nunes (2010) a porosidade da terra do cupim possibilitava uma ótima conservação da energia sobre o qual se colocou uma chapa de pedra com duas ou três bocas. Ainda, segundo Nunes e Nunes (2010), posteriormente surgem os fogões assim como os conhecemos, feitos de barro ou adobe pintados de tabatinga, de tijolos ou até mesmo pedra-sabão, com chapas de ferro fundido. Os fogões de tijolos ou adobe eram feitos com auxilio de uma mistura de barro amassado com estrume de boi e melado de rapadura, para evitar trincas Os aterros ou rabos, foi um prolongamento criado ao nível da câmara de combustão, em frente ao fogão, para apoiar a lenha. Posteriormente foram inseridos fornos e serpentinas para o aquecimento da água do banho, sistema este ainda muito usual em toda Minas Gerais.

No relato “A Cozinha Mineira nos Séculos XVIII e XIX” (6), se destaca que “O desenvolvimento tecnológico lento concorre para que o trabalho da cozinha não sofra grandes alterações, e os sistemas de cozimento e conservação são simples, atendendo às necessidades da região de  acordo com os recursos disponíveis. A cozinha possui mobiliário e utensílios rústicos, produto de artesanato local,  incomparavelmente inferiores às das outras dependências da casa. Por esta razão, a cozinha é a peça mais representativa do contexto cultural vigente por ter sofrido menos influências externas. O monopólio comercial da metrópole impede a existência de manufaturas no Brasil. Situada geralmente nos fundos da casa, a cozinha é ambiente exclusivo de seus habitantes. Ali trabalham os escravos e,apenas os íntimos tem acesso a ela”.

Ainda segundo a mesma fonte “No final do século XIX, a Revolução Industrial vem provocar modificações nas estruturas sociais e econômicas do mundo ocidental. Estas transformações influenciam o comportamento da economia e da sociedade brasileira. A necessidade  de ampliação dos mercados forçou a eliminação  formal do trabalho escravo,intensificando o comércio externo brasileiro,com importação de produtos europeus que passam a entrar em grande quantidade. A cozinha recebe sua parcela em novos equipamentos. Contudo, as características básicas do ambiente da cozinha ainda permanecem, pouco se modificando, principalmente no interior de Minas Gerais.”

"O bule no fogão a lenha é um forte elemento do cenário da cozinha mineira, onde o café, sempre quentinho, era servido acompanhando as quitandas, no encerramento das refeições, ou na primeira refeição do dia, adoçado com rapadura." - Monica Chaves Abdala

 Ainda hoje, apesar do desenvolvimento energético que se deu a partir de meados do século XX, incluindo o acesso a tecnologias como o fogão a gás – GLP, a lenha continua sendo utilizada por 22% dos mineiros, principalmente devido à tradição cultural da “comida de fogão a lenha”. Importante ressaltar que, na tradição mineira, muitos pratos tem um melhor paladar se cozinhados no fogão a lenha, devido a maior tempo necessário para a cocção dos alimentos, e até mesmo devido à mistura do odor do alimento com o odor da lenha utilizada.

Nesse sentido, com relação à cocção de alimentos, tanto o combustível (lenha) como o equipamento onde ele é utilizado (fogão a lenha tradicional) são, de maneira geral, soluções locais. Estes fogões (em sua maioria rústicos), muitas vezes fabricados pelas donas de casa ou seus familiares, sendo que muitos optam por adquirir uma chapa de ferro onde são colocadas as panelas. Estas chapas estão disponíveis em muitas lojas de material de construção em todo o estado de Minas Gerais, com diversas opções de tamanhos.

No caso de arquitetura, nos últimos anos, temos percebido uma tendência ao aumento na procura por imóveis que disponibilizam um “espaço gourmet”. Em residências destinadas ao lazer, é comum encontrar fogões a lenha com design mais moderno, integrando-se harmonicamente à arquitetura e decoração, deixando o local com aspecto mais aconchegante.

Em verdade as designers Campos et al (2007) detectaram esta tendência ao realizaram uma pesquisa da evolução dos espaços das cozinhas nas residencias de Belo Horizonte, considerando tendências no contexto da arquitetura e design, e novas tecnologias. Segundo estas autoras, “atualmente, a partir de visitas realizadas à inúmeros edifícios de apartamentos e levando em consideração as recentes mostras anuais da Casa Cor - Minas Gerais, constata-se uma variedade de espaços destinados à cozinha, como por exemplo são a cozinha avançada, localizada na varanda, cozinha e laboratório do gourmet, churrasqueiras e espaço reservado ao homem que gosta de cozinhar, área de gastronomia, entre outros locais, o que explica a importância adquirida por este ambiente, na residência contemporânea. E, além de tudo, o tradicional fogão a lenha, que antes deixava as paredes das cozinhas antigas enegrecidas, entrou em cena novamente, e com força total. Porém, agora os fogões a lenha são encontrados já pré-fabricados e, segundo os fabricantes, em decorrência de novas tecnologias, fumaça é toda conduzida para fora da cozinha”.

(4) http://pt.wikipedia.org/wiki/Fog%C3%A3o_a_lenha, acessado em  12/04/12.
(5) Comunicação pessoal.
(6) A cozinha na história da casa mineira. Governo do Estado de Minas Gerais.Superintendente de Museus: Priscila Freire (necessita citação de data, autor, etc).


DOCUMENTAÇÃO MULTIMÍDIA QUE RELACIONA FOGÕES A LENHA Á MINEIRIDADE

Videos:
Comercial Nestlé Minas Gerais Amarelinhos por Ziraldo
https://www.youtube.com/watch?v=hUbp0TFfsro

Comercial Nestlé MG O Melhor Lugar do Mundo por Luiz Ruffato
https://www.youtube.com/watch?v=E2Bhh17Rmns

Vinheta do Programa Terra de Minas
https://www.youtube.com/watch?v=wGNGd86uVF8

Comida Mineira, reportagem da UFJF
https://www.youtube.com/watch?v=ygKA1ZY9Us8

Jeito Mineirin Manitu TV Globo Minas
https://www.youtube.com/watch?v=vgrbYrW23vg

Tutu à Mineira D Lucinha
https://www.youtube.com/watch?v=Uqvnkf-xsLs

Artigos:
Jornal Estado de Minas:
http://ecofogao.com/wp-content/uploads/2015/05/fogao-a-lenha-adiciona-uma-pitada-Lugar-certo-Jornal-estado-de-Minas-14-04-15.pdf

Revista Ecológico:
Foi lançado na última lua nova de agosto 2016, no Museu das Minas e do Metal (MM Gerdau) o segundo volume do livro “Minas de Tantos Geraes”, no qual sete fotógrafos e quatro redatores reuniram o maior e mais diversificado acervo de informações e imagens já publicado sobre a riqueza e a beleza dos patrimônios histórico, cultural e natural de Minas Gerais. Veja no link abaixo, a matéria publicada pela Revista Ecológico edição N° 92, com algumas das maravilhosas imagens do livro, e confira como a tradição do fogão a lenha faz parte importante de toda essa beleza patrimonial mineira:

http://www.revistaecologico.com.br/materia.php?id=103&secao=1817&mat=2094

Fotos:





REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS DISPONÍVEIS

Abdala, 2007. Mônica Chaves. Receita de Mineiridade – a cozinha e a construção da imagem do mineiro. Uberlândia: Edufu.

Campos, C.F., Souza,G.H. e Sonia Marques, A.R, 2007. A cozinha residencial e as tecnologias pós revolução industrial: tendêencias no contexto da arquitetura e design de ambientes. II Encuentro Latinoamericano de diseño. Comunicaciones acadêmicas. Julio y Agosto 2007, Buenos Aires, Argentina. Actas de Diseño, Año II, Vol 3. Julio 2007, 255 paginas.

CEMIG-BEEMG, 2014. 29 Balanço Energético do Estado de Minas Gerais. BEEMG, Ano Base 2013. CEMIG, 2014.

Nunes, M. C. C, e M.C. Nunes, 2010. História da Arte da Cozinha Mineira por Dona Lucinha. Quarta edição, São Paulo, Editora Larrouse. 173 páginas.
Shell Foundation, 2007. Brazil Market Analysis for Improved Stoves. Final Report, Stage 1. Prepared by Winrock International. April 2007. 138 pages.


Verissimo, F. S. e Bittar, W. S.M., 1999. 500 anos da casa no Brasil: as transformações da arquitetura e da utilização do espaço da moradia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.



Fonte: 
http://www.prolenha.org.br/projetos/fogao-a-lenha-patrimonio-cultural
Fonte das Figuras: 
http://historiasylvio.blogspot.com.br/2013/01/cozinha-mineira.html
http://www.prolenha.org.br/projetos/fogao-a-lenha-patrimonio-cultural



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