Boitatá é um termo tupi-guarani, usado para designar, em todo o Brasil, o fenômeno do fogo-fátuo, e deste derivando algumas entidades míticas,[1] das primeiras registradas no país.[2]
Etimologia e variantes nominais
O termo mais difundido é boitatá. O termo é a junção das
palavras tupis boi e tatá,
significando cobra e fogo, respectivamente, ou ainda
de mboi — a coisa ou o agente. Significa,
assim, cobra de fogo, fogo da cobra, em forma de
cobra ou coisa de fogo.[2]
Sobre a etimologia, escreveu Couto de Magalhães que
"como a palavra o diz, boitatá
é cobra-de-fogo'" (in: O Selvagem, Rio de Janeiro, 1876 [2]).
No Sul, é chamado
de baitatá ou batatá e até mesmo de boitatá. Na Bahia, aparece
como biatatá. Em Minas Gerais chamam-no de bata.
No Nordeste, é comum o termo batatão.
Nos estados de Sergipe e Alagoas,
recebem os nomes de Jean de la foice ou Jean Delafosse.[2]
Primeiros registros
Em 1560 registrou
o Padre José de Anchieta:
"Há também outros (fantasmas), máxime nas praias, que vivem a
maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados baetatá, que
quer dizer coisa de fogo, o que é o mesmo como se se dissesse o que é
todo de fogo. Não se vê outra coisa senão um facho cintilante correndo para
ali; acomete rapidamente os índios e mata-os, como os curupiras; o que seja
isto, ainda não se sabe com certeza." (in: Cartas, Informações,
Framentos Históricos, etc. do Padre José de Anchieta, Rio de Janeiro, 1933[2])
O Boitatá é uma gigantesca cobra-de-fogo
que protege os campos contra aqueles que o incendeiam. Vive nas águas e
pode se transformar também numa tora em brasa, queimando aqueles que põem fogo
nas matas e florestas.
A origem deste mito está ligada a um fenômeno chamado fogo-fátuo.
A decomposição de matéria orgânica, seja de vegetação ou animais mortos, libera
gases que inflamam-se espontaneamente em contato com ar. Correntes de ar
causadas pela passagem de uma pessoa nas proximidades podem deslocar as chamas
fazendo com que pareçam uma cobra de fogo que a persegue.
Na obra Lendas do Sul, de João Simões Lopes Neto, há um conto com
esse nome que descreve bem a lenda. A ideia era de uma luz que se movimentava
no espaço, daí "veio a imagem da marcha ondulada da serpente". Foi
essa imagem que se consagrou na imaginação popular. Descreve-se o Boitatá como
uma serpente com olhos como dois faróis, couro transparente,
que cintila nas noites em que aparece deslizando nas campinas, nas beiras dos
rios. Em Santa Catarina, a figura aparece como um touro
de "pata como a dos gigantes e com um enorme olho bem no meio da testa, a
brilhar que nem um tição de fogo".
No Rio Grande do Sul, narra-se a lenda de que
houve um período de noite sem fim nas matas. Além da escuridão, houve uma
enorme enchente causada por chuvas torrenciais. Assustados, os animais correram
para um ponto mais elevado a fim de se protegerem. A boiguaçu,
uma cobra que vivia numa gruta escura, acordou com a inundação e, faminta,
decidiu sair em busca de alimento, com a vantagem de ser o único bicho
acostumado a enxergar na escuridão. Decidiu comer a parte que mais lhe
apetecia: os olhos dos animais. De tanto comê-los, foi ficando toda luminosa,
cheia de luz de todos esses olhos. Seu corpo transformou-se em ajuntadas
pupilas rutilantes, bola de chamas, clarão vivo, boitatá, cobra de fogo. Ao
mesmo tempo a alimentação farta deixou a boiguaçu muito fraca. Ela morreu e
reapareceu nas matas serpenteando luminosa. Quem encontra esse ser fantástico
nas campinas pode ficar cego, morrer e até enlouquecer. Assim, para evitar o
desastre, os homens acreditam que têm que ficar parados, sem respirar, e de
olhos bem fechados. A tentativa de escapar da cobra apresenta riscos porque o
ente pode imaginar fuga de alguém que ateou fogo nas matas. No Rio Grande do
Sul, acredita-se que o "boitatá" é o protetor das matas e das
campinas. A verdade é que a ideia de uma cobra luminosa,
protetora de campinas e dos campos aparece frequentemente na literatura,
sobretudo nas narrativas do Rio Grande do Sul.
Ainda hoje, essa lenda folclórica impressiona adultos e crianças,
sendo citada, inclusive, como personagem de destaque em várias obras
contemporâneas como, por exemplo, “Quem tem medo do Boitatá?”[3],
de Manuel Filho, lançada em 2007. Nesta história infanto-juvenil, o avô do
protagonista, Sandrinho, é cego pelo próprio Boitatá. A serpente também é
relembrada na história de José Santos, “O casamento do Boitatá com a
Mula-sem-cabeça”,[4] onde
o autor descreve de forma lúdica a união de vários seres de nosso folclore. O
mito, em sua versão sincrética, aparece ainda no livro "A lenda do
Batatão"[5],
de Marco Haurélio, escrito em sextilhas de cordel. O Batatão, embora conserve
sua característica ígnea, se aproxima das almas penadas. Nas referidas obras,
assim como em muitas outras, o ser fantástico é citado como “o Boitatá”, mas é
possível encontrar citações como “a Boitatá” tal como ocorre na obra recente de
Alexandra Pericão, "Uaná, um curumim entre muitas lendas",[6] em
que a serpente, também comedora de olhos, é descrita de um jeito bem
contemporâneo, com citações divertidas, como “Mas ninguém, até hoje, e isso é o
mais espantoso de tudo, conseguiu colocar uma foto sua na internet. Apesar do
tamanho gigante, a serpente é tão discreta, que só conseguem vê-la aqueles que
ela mesmo captura”. Também João Simões Lopes Neto, em obra supramencionada,
refere-se ao ser no feminino, valendo citar o trecho: “Foi assim e foi por isso
que os homens, quando pela primeira vez viram a boiguaçu tão demudada, não a
conheceram mais. Não conheceram e julgando que era outra, muito outra,
chamam-na desde então, de boitatá, cobra do fogo, boitatá, a boitatá!”.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Dicionário Aurélio
Ir para:a b c d e CASCUDO, Câmara, Dicionário do Folclore Brasileiro
Filho, Manuel. Quem tem medo do Boitatá?. Editora Escala, 2007, 1ª ed.
Santos, José. O casamento do Boitatá com a Mula-sem-cabeça. Companhia Editora Nacional, 2007, 1ª ed.
Haurélio, Marco. A lenda do Batatão. SESI-SP Editora, 2012, 1ª ed.
Pericão, Alexandra. Uaná, um curumim entre muitas lendas. Editora do Brasil, 2011, 1ª ed.
Texto extraído de: https://pt.wikipedia.org/
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