domingo, 27 de junho de 2021

“Boi que nasce para guia jamais será coice”



Não sei se é a magia do causo ou a habilidade do contador de fala macia, mas deu vontade de ouvir mais – tem história que a gente sabe que vai guardar no exato momento em que escuta. Fico aqui imaginando Manuel Alexandre orquestrando a construção do carro de bois: o cabeçalho, as chedas, o chumaço, os cocões – todas as peças até hoje ignoradas pelo meu restrito vocabulário urbano. São nove no total. Para cada uma, há um tipo de madeira. Madeira tem tempo certo. Não adianta querer fazer as rodas, de bálsamo, na época de seca. Tem que esperar os meses das águas.

Manuel Alexandre é mestre carreiro, faz carro de bois. Quem me falou dele foi um arquiteto paulista de Barretos. Luís Antônio Jorge é professor da Faculdade de Arquitetura da USP e acompanhou o trabalho do mestre Manuel, então com 80 anos, no Morro da Garça, em Minas Gerais. Está tudo documentado. A pesquisa integra o projeto Guimarães Rosa: lugares – em busca do quem das coisas, financiado pela Petrobrás. Parte do registro foi publicada aqui.

Acho bonito isso que Luís chama de o saber fazer, a sabedoria que se realiza em matéria, e que tem utilidade em seu meio, e que tem significado. Talvez porque nos babilônicos caminhos da metrópole seja tão difícil encontrar significados. Tudo é tanto e tão nababescamente inútil que acaba, assim, insignificante. Aí a gente ouve da universalidade do sertão e fica besta.


Texto extraído de: https://yrodar.wordpress.com/2013/05/25/boi-que-nasce-para-guia-jamais-sera-coice/
Fonte Figura: https://yrodar.wordpress.com/2013/05/25/boi-que-nasce-para-guia-jamais-sera-coice/




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